Como funciona a Justiça Terapêutica no Estado de São Paulo?
*Por Adriana Moraes
A Justiça Terapêutica faz parte de um novo pacote de medidas, anunciado pelo Governador de São Paulo, em conjunto com a prefeitura, um plano para tentar acabar com o problema da cracolândia. Trata-se de uma proposta de transação penal aos envolvidos em delitos de menor potencial ofensivo, ligados à dependência química de álcool ou drogas, que poderão aceitar o encaminhamento para tratamento da dependência química em acolhimento ou internação, como alternativa à prisão em flagrante. O Judiciário paulista já realiza uma experiência nesse sentido no Fórum de Santana.
A Justiça Terapêutica é um mecanismo previsto na Lei Antidrogas nacional, que tem demonstrado grande êxito no combate à dependência química. O vice-governador de São Paulo Felício Ramuth será o responsável pelas novas ações para o atendimento aos dependentes químicos da cracolândia.
Relembre trechos importantes da entrevista com o Dr. Mário Sérgio Sobrinho – Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, sobre esse tema atual:
Como funciona a Justiça Terapêutica no Estado de São Paulo?
O Programa de Justiça Terapêutica no Estado de S. Paulo foi iniciado a partir da ação de alguns promotores de justiça do Rio Grande do Sul que vieram a São Paulo e diversos outros pontos do Brasil em meados do ano 2000 divulgar trabalho que eles realizavam com adolescentes infratores abusadores de drogas e álcool em Porto Alegre, cujos resultados animadores mostraram que a oferta de tratamento e cuidado reduzia o número de casos de retorno dos adolescentes ao sistema de justiça em razão do cometimento de novo atos infracionais.
A partir dessa divulgação, que ocorreu com apoio da Escola Superior do Ministério Público e do Tribunal de Justiça, os promotores de justiça que atuavam em Santana, Zona Norte de S. Paulo, consideraram que seria apropriado aplicar ações semelhantes aos pequenos infratores que eram abusadores de substâncias e podiam receber benefícios da Lei 9099/1995 em razão da primariedade e do tipo de delito cometido (porte de droga para uso próprio, ameaça, perturbação da vizinhança, etc).
Além da transação penal e da suspensão condicional do processo, previstos pela Lei 9.099/1995, há algum tempo, por meio do acordo de não persecução penal, introduzido no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, também, é possível ao celebrar acordos e fixar condições do programa de Justiça Terapêutica no caso da prática de crimes sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o que pode ser aplicado ao crime de furto qualificado, por exemplo.
Quais são os principais objetivos da Justiça Terapêutica?
Permitir ao infrator primário cumprir a medida que a Justiça lhe propõe em razão de ter cometido um delito punido com pena de curta duração e, ao mesmo tempo, receber apoio e orientação dos membros dos grupos de mútua ajuda (Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Amor Exigente, Associação Antialcoólica do Estado de São Paulo) ou atenção terapêutica por meio de profissionais da área da saúde que nos casos da Promotoria de Justiça e do Fórum de Santana são oferecidos gratuitamente por meio de parceria firmada com o Ambulatório Médico de Especialidades (AME) da Vila Maria, da Secretaria de Estado da Saúde de S.Paulo.
Os grupos de mútua ajuda tem se mostrado grandes cooperadores no atendimento dos infratores que tem problemas com álcool e outras drogas que são atendidos pela Justiça Terapêutica, bem como, na atenção e no cuidado com os familiares e amigos dessas pessoas que muitas vezes estão severamente atingidos pela questão da adicção do ente querido.
Qual o público alvo?
Pessoas que cometeram delitos punidos com penas de curta duração (até 2 anos), primárias e que sejam abusadores ou dependentes de álcool e outras drogas. A Justiça Terapêutica também pode ser aplicada a autores de crimes de médio potencial ofensivo (dirigir embriagado) e pequenos furtos com o mesmo perfil, podendo ser aplicada nesses casos em conjunto com benefícios como a suspensão condicional do processo, suspensão condicional da pena (também conhecido como “sursis”) ou como condição do regime aberto ou do livramento condicional, além de ser cabível na proposta feita pelo Promotor de Justiça no campo do acordo de não persecução penal, conforme antes comentado.
A Justiça Terapêutica também pode ser uma ferramenta a ser usada aplicada ao adolescente em cumprimento de alguma medida imposta pela Justiça em razão da prática de atos infracionais e que ao mesmo tempo seja abusador ou dependente de álcool e outras drogas. É desejável oferecer apoio, também, ao familiar do infrator para que pais, mães, esposas, maridos e outros, entendam sobre o abuso de álcool e drogas e os efeitos causados aos indivíduos e às famílias.
Como a Justiça Terapêutica vê o usuário de drogas que cometeu um delito e de que forma contribui com a sua recuperação?
O objetivo da Justiça Terapêutica é fazer a pessoa cumprir a medida ou pena que é prevista pela Lei para o delito que ela praticou, mas no caso em que o infrator é abusador ou dependente de drogas permitir que a medida ou a pena que ele irá cumprir contribua para a própria pessoa refletir sobre sua condição ao frequentar reuniões de grupos de mútua ajuda ou receber atendimento terapêutico, cuja frequência deve ser comprovada ao juiz.
Em quais delitos e/ou crime é possível aplicar a Justiça Terapêutica?
- Porte de drogas para uso próprio – Lei de drogas;
- Embriaguez no volante – código de trânsito brasileiro;
- Direção perigosa e embriaguez – Lei das contravenções penais;
- Outros delitos cujo infrator seja abusador de álcool e/ou outras drogas (ex: ameaça, resistência, desacato, pequenos furtos, etc);
- Também é possível aplicar a Justiça Terapêutica nos acordos de não persecução penal, por exemplo, crime de furto qualificado.
Finalizo, agradecendo ao Dr. Mário Sérgio, por ter revisado e atualizado o texto!
Renovamos as esperanças
Após inúmeras intervenções sem sucesso, novamente, São Paulo e seu eterno desafio de acabar com a cracolândia. Renovamos as esperanças, que todos os dependentes químicos consigam tratamento especializado, que aos poucos recuperem sua autonomia, o vínculo familiar e que não voltem para a cracolândia.
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Saúde Mental e Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
Referências:
https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-do-estado-e-prefeitura-de-sp-criam-plano-de-atendimento-a-dependentes-quimicos/
Justiça Terapêutica: parceria entre os sistemas da justiça e saúde