21 de novembro de 2024

Setembro amarelo – Confira a entrevista exclusiva com o psiquiatra Elson Asevedo sobre: “Prevenção ao suicídio”

16 de setembro de 201915min149
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*Por Adriana Moraes

“Como o suicídio pode ser entendido como um desfecho grave de um transtorno mental e os transtornos mentais têm tratamentos eficazes, podemos dizer que toda morte por suicídio é uma morte que poderia ter sido evitada” Elson Asevedo

Setembro amarelo

O suicídio é uma realidade bem mais comum do que imaginamos e vem chamando a atenção de toda a sociedade, trata-se de um assunto delicado! O mês de setembro conhecido como “setembro amarelo” é dedicado a conscientização sobre a importância da prevenção ao suicídio. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados. Infelizmente o estigma e o tabu relacionados em torno de transtornos mentais e suicídio, faz com que muitas pessoas que estão pensando em encerrar suas próprias vidas ou que já tentaram suicídio em outra ocasião não procurem ajuda.

Convidamos o psiquiatra **Elson Asevedo, médico dedicado e muito competente, especialista em dependência química, que recentemente participou de um estudo realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria sobre “a associação entre taxas de suicídio de adolescentes e indicadores socioeconômicos no Brasil: um estudo ecológico retrospectivo de 10 anos”, para falar sobre prevenção ao suicídio e tirar duvidas sobre o tema. Realmente é possível prevenir um suicídio?

Entrevista

1ª) Conte-nos, por gentileza, os principais detalhes do estudo sobre a associação entre taxas de suicídio de adolescentes e indicadores socioeconômicos no Brasil: um estudo ecológico retrospectivo de 10 anos, realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

A pesquisa estimou a taxa de suicídio entre adolescentes de 10 a 19 anos no Brasil entre 2006 e 2015. Encontramos um aumento de 13% nas taxas de suicídio no período. Em seis das principais cidades brasileiras, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife, esse aumento foi ainda maior, de 24%. Esse dado é altamente preocupante, visto que a Organização Mundial de Saúde determinou como imperativo global que os países reduzissem suas taxas de suicídio em 10% até 2020. A maior parte dos países está atingindo essa meta, porém o Brasil parece estar no caminho inverso. Além disso, todo suicídio é um evento trágico, tanto para os familiares de quem faleceu como para a sociedade. Quando se trata de um jovem, com toda a sua vida pela frente, a tragédia é ainda mais significativa.

No estudo também encontramos que indicadores econômicos como taxa de desemprego e desigualdade social medida pelo índice Gini tem efeito significativo sobre as taxas de suicídio. Esse efeito é mais evidente nas meninas de 15 a 19 anos, sugerindo que esse pode ser um grupo particularmente susceptível ao efeito de um ambiente socioeconômico desfavorável sobre o risco de suicídio. Entretanto, o suicídio é atualmente compreendido como um transtorno multidimensional, resultado de interações complexas de fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociológicos e ambientais. Portanto é improvável que um único fator, como o ambiente socioeconômico, tenha um impacto decisivo para explicar as mudanças nas taxas de suicídio.

2ª) A pesquisa da Unifesp indicou que a chance de um adolescente do sexo masculino tirar a própria vida é até três vezes maior do que uma menina. As garotas tentam se matar mais, mas as tentativas dos meninos são mais letais, qual seria o motivo?

Maiores taxas de suicídio em meninos do que em meninas são encontradas em vários estudos ao redor do mundo. Curiosamente essa diferença começa a acontecer na faixa etária entre 12 e 13 anos, coincidindo com a puberdade. Os motivos dessa diferença ainda não foram totalmente estabelecidos, mas fatores claramente relacionados são a maior impulsividade e agressividade entre meninos, o que aumenta a chance de tentativas de suicídio com meios de maior letalidade. Além disso, meninos têm maiores taxas de uso de substâncias, que é um importante fator de risco para suicídio. Por fim, meninos buscam menos ajuda para seus problemas emocionais do que meninas, o que resulta em uma menor rede de proteção.

3ª) Há muito tabu e preconceito em relação ao suicídio. Isso dificulta que o tema seja abordado de maneira mais clara e objetiva? Quais cuidados precisamos de ter ao falar de suicídio?

Infelizmente doenças mentais ainda são carregadas de muito estigma e preconceito. Os comportamentos suicidas, que são consequências graves de doenças mentais, são vistos com muito preconceito. Isso dificulta que pessoas em risco para suicídio busquem ajuda, conversem sobre o tema com as pessoas a sua volta que poderiam ser uma fonte de apoio e suporte. Também dificulta que as pessoas próximas reconheçam o problema e ajudem de maneira adequada quem está sofrendo. Além disso, todo esse preconceito dificulta que os nossos governantes destinem verba adequada para prevenção de suicídio e tratamento de pessoas em risco. Afinal, se o preconceito é disseminado na sociedade, também atinge as pessoas nos cargos que definem o destino da verba pública.

Assim, precisamos falar sobre suicídio, para ampliar o conhecimento sobre o assunto e reduzir o preconceito. Frequentemente ouvimos frases preconceituosas e incorretas sobre comportamento suicida, como “quem quer se matar, se mata mesmo”, ou “faz isso para chamar a atenção”, ou “fez isso porque é um covarde”. Nada disso é verdade. As pessoas com comportamento suicida estão em grave sofrimento e precisam de ajuda e tratamento adequado. E existem tratamentos eficazes.

Um ponto importante é como a mídia deve noticiar e discutir o tema. Assim, quando o tema é apresentado de maneira distorcida, romantizada, com detalhes sobre os métodos utilizados, pode ser desencadeado um efeito de cópia. Tanto a Organização Mundial de Saúde quanto a Associação Brasileira de Psiquiatria possuem manuais de recomendação para a mídia para tratar do tema. É importante destacar as alternativas ao suicídio, fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos de apoio e serviços onde se possa obter ajuda mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida.

4ª) É muito difícil compreender por que um determinado indivíduo decide cometer suicídio. Em sua opinião, por que, diante de situações semelhantes, algumas pessoas se precipitam num ato suicida e outras não?

O suicídio pode ser compreendido como um desfecho trágico de uma doença mental. Vários estudos em diversos países tem mostrado que cerca de 95% das pessoas que morreram por suicídio tinham algum transtorno mental. As principais doenças associadas são depressão, transtorno bipolar, dependência de álcool ou outras drogas, esquizofrenia e transtornos de personalidade. Frequentemente as pessoas que estão em sofrimento por consequência desses problemas de saúde desenvolvem pensamentos distorcidos que aumentam o risco para comportamento suicida. Por exemplo, eles podem não entender que o que elas tem é um problema de saúde que tem tratamento, e passam a sentir que são um fardo para as pessoas à sua volta. Podem pensar que as pessoas que ela mais ama estariam melhor se ela não existisse. Esse pensamento distorcido, de sentir-se um fardo, pode ser um precipitante para o comportamento suicida. Além disso, a pessoa pode desenvolver o pensamento de que ela não é importante para ninguém, sentir-se isolada, sem laços significativos. Assim, o sofrimento mental intenso, associado a sensação de fardo, sensação de ruptura dos laços significativos e a falta de esperança de que essa situação vai melhorar formam o campo para o desenvolvimento do comportamento suicida.

5ª) Geralmente a pessoa que pensa em tirar sua vida costuma dar sinais?

Classicamente são descritos os 4 Ds de risco para suicídio: Depressão, desesperança, desamparo e desespero. Além disso, as pessoas sob risco de suicídio costumam falar sobre morte e suicídio mais do que o comum, confessam se sentir sem esperanças, culpadas, com falta de autoestima e têm visão negativa de sua vida e futuro. Elas podem dizer coisas como “Vou desaparecer.” “Vou deixar vocês em paz.” “Eu queria poder dormir e nunca mais acordar.” “É inútil tentar fazer algo para mudar, eu só quero me matar.” As pessoas com pensamentos suicidas podem se isolar, não atendendo a telefonemas, interagindo menos nas redes sociais, ficando em casa ou fechadas em seus quartos, reduzindo ou cancelando todas as atividades sociais, principalmente aquelas que costumavam e gostavam de fazer.

6ª) Dependentes de drogas são responsáveis por um número maior de tentativas de suicídio?

Pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas tentam se matar seis vezes mais do que pessoas sem essas condições. Essa é mais uma das graves consequências do uso de drogas. Assim, prevenir suicídio passa também por prevenir o uso de álcool e outras drogas.

7ª) Quais são os principais distúrbios relacionados à prática do suicídio?

As principais doenças associadas são depressão, transtorno bipolar, dependência de álcool ou outras drogas, esquizofrenia e transtornos de personalidade.

8ª) Para finalizar, é possível prevenir o suicídio?

Como o suicídio pode ser entendido como um desfecho grave de um transtorno mental e os transtornos mentais têm tratamentos eficazes, podemos dizer que toda morte por suicídio é uma morte que poderia ter sido evitada. A sociedade como um todo deveria ter sido capaz de oferecer tratamento precoce e eficaz para evitar a tragédia que é uma morte por suicídio.

Elson Asevedo, agradecemos suas informações sobre esse tema difícil e delicado, porém extremamente necessário!


(Adriana Moraes e Elson Asevedo)

Encerro esse texto lembrando que prevenção ao suicídio envolve a todos! E que ajuda especializada é fundamental para evitar que o problema não se agrave a ponto de a pessoa optar por consequências drásticas, desistindo de sua vida, buscando na morte uma maneira para livrar-se da dor e de todo o sofrimento psíquico. O ano inteiro incansavelmente amarelo!

Onde encontrar ajuda

  • CAPS – (Centro de Atenção Psicossocial).
  • SAMU – Tudo que envolve o suicídio é uma emergência médica, em casos de urgência é necessário chamar o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), através do número 192.
  • CVV – (Centro de Valorização da Vida) através do número 188.

*Adriana MoraesPsicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).

** Elson AsevedoMédico Psiquiatra – Diretor Clínico do CAISM/UNIFESP (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental) – Especialista em Dependência Química UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) – Mestrado em Psiquiatria e Psicologia Médica pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) – Pesquisador do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP e do Global Mental Health Program da Columbia University, NY.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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