Entrevista com o médico psiquiatra Rafael Bernardon
Quais as melhores opções de equipamentos de tratamento para a saúde mental?
Acredito que não existe um equipamento melhor ou único, que dê conta de toda a complexidade dos transtornos mentais. Precisamos de uma rede diversificada, com boa cobertura, capaz de atender desde o caso mais leve ao mais grave. Evidente que a base da pirâmide deve ter uma maior quantidade, sem negligenciar a qualidade: unidades básicas de saúde, ambulatórios e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) devem ser capazes de assistir boa parcela da população que necessite de cuidados em saúde mental, de forma articulada com serviços da assistência social (SUAS). Porém, necessitamos também de unidades de internação especializadas e de hospitais especializados de qualidade. O gestor público deve ser capaz de planejar de forma a desenvolver políticas custo-efetivas, baseadas em evidências. É bastante claro que não é possível conceber que todos terão absolutamente tudo. Soluções com maior resolutividade e capazes de atender o maior número de pessoas devem ser priorizadas. Toda a rede deve ser monitorada, seguir protocolos e ter metas, indicadores quantitativos e qualitativos.
Qual a importância do hospital psiquiátrico para a saúde mental?
O hospital psiquiátrico é fundamental para o atendimento de casos mais complexos. Quando falo de hospital psiquiátrico, há que se frisar, estamos falando de unidades modernas, como o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP e o CAISM Vila Mariana UNIFESP/SPDM. Não se pode nivelar por baixo ou confundir hospital moderno com antigos asilos e manicômios. Nossa luta tem sido em defesa da modernização do parque hospitalar. Por anos, asfixia financeira precarizou as unidades: estrutura física não foi renovada e equipes ficaram desfalcadas. Não chegaremos a uma rede com hospitais modernos sem investimento em infraestrutura e melhora do custeio. A gestão Quirino Cordeiro na saúde mental, da qual participei, conseguiu reajustar as diárias em 65%; porém, o valor final ainda não é capaz de cobrir a assistência que desejamos – os gestores municipais e estaduais podem e devem suplementar – e cobrar resultados. Sem investimentos e recomposição da rede hospitalar, hoje reduzida a um terço do número mínimo de leitos desejáveis para a população do país, estamos condenados a manter indicadores ruins, baixa qualidade de assistência, encarceramento de doentes mentais e altas taxas de suicídio. Ressalto que não é o hospital isolado que resolverá o problema, mas ele é parte da solução, é parte da rede.
Qual a importância da equipe completa e especializada em saúde mental no hospital psiquiátrico?
A defesa da necessidade da existência de hospitais psiquiátricos especializados não consiste em uma defesa acrítica. Defendemos modelo de excelência, que contemple estrutura física moderna, com aquilo de melhor que a arquitetura hospitalar oferece para espaços protegidos para doentes mentais em crise, e a presença de equipes completas.
É fundamental a atuação sinérgica de médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. Sem uma equipe qualificada e completa torna-se difícil ofertar um tratamento integral e de qualidade.
É importante manter funcionando os hospitais psiquiátricos?
Sem dúvidas. Evoluímos muito na ciência médica, mas ainda não conseguimos abrir mão das internações em momentos de crise.
Quais procedimentos de tratamento são exclusivos do hospital psiquiátrico no tratamento da dependência química?
A internação psiquiátrica nas suas 3 modalidades (voluntária, involuntária e compulsória) só pode ocorrer em unidade hospitalar, seja ela geral ou especializada. Portranto a internação psiquiátrica, segundo definição dada pela Lei 10.216/2001 e agora pela Lei nº 13.840/2019, é exclusiva de ambiente hospitalar, sendo um ato privativo do médico. Toda a norma que rege o funcionamento dos serviços psiquiátricos pode ser acessada nas resoluções do Conselho Federal de Medicina de número 2057/2013 e 2056/2013, que orienta sobre o funcionamento dos diversos serviços de saúde mental, incluindo o componente hospitalar.
Quais procedimentos de tratamento da dependência química podem ser realizados também em outros equipamentos de saúde?
Todo o atendimento ambulatorial (consultas, grupos, terapia individual) podem ser feitos em unidades extra-hospitalares. O Acolhimento social pode ser realizado nas Comunidades Terapêuticas, como uma forma de consolidar aquilo que foi obtido na internação para desintoxicação e tratamento de quadros agudos. Treinamento e desenvolvimento de habilidades para sustentar uma reinserção social saudável e livre de drogas.
Como o hospital psiquiátrico se renovou nos últimos tempos?
No mundo, temos excelentes exemplos. O Hospital mais antigo da Inglaterra, o Bethlem Royal Hospital, onde estudei e trabalhei uns anos atrás, é um excelente exemplo de renovação e modernização ao longo dos séculos. Os hospitais modernos devem conciliar o melhor da arquitetura hospitalar com o melhor da técnica de tratamento, baseada em evidências científicas.
No Brasil, podemos citar como exemplos de unidades modernas o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (São Paulo – SP), o CAISM SPDM UNIFESP (São Paulo – SP), o Centro Estadual de Referência e Excelência em Dependência Química, em Aparecida de Goiânia – GO (CREDEQ – Prof. Jamil Issy). Temos que nivelar as expectativas por cima, almejar unidades modernas, acolhedoras e eficientes.
O que o motiva a trabalhar em hospital psiquiátrico?
Toa a minha formação se deu em hospital psiquiátrico. Fiz residência médica no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (São Paulo – SP). Depois me especializei em psiquiatria clínica forense na unidade de média segurança (River House) do Bethlem Royal Hospital, parte do King´s College. Acho que foram ambientes de muito aprendizado tanto teórico como prático, instituições ricas do ponto de vista intelectual. Gosto da assistência como um todo, em todos os níveis. Trabalhar em um hospital moderno é bastante gratificante. Ajudar às pessoas é muito motivador e gratificante, fazer a diferença.
Como o OBID pode contribuir para seu trabalho?
Acho fundamental, quer seja como gestor quer seja como prestador de serviço e assistente, ter acesso a uma fonte de informações atualizada, baseada em evidências. Tanto para planejamento estratégico de ações governamentais como para formular um plano terapêutico de um paciente ou projeto assistencial de um serviço.
Rafael Bernardon é formado em medicina pela Universidade de São Paulo (2002) e residência médica em Psiquiatria no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP. Mestre em psiquiatria clínica forense pelo Institute of Psychiatry do King’s College (London – UK). Possui especialização em Gestão de Atenção à Saúde pelo IEP – Hospital Sírio Libanês e Fundação Dom Cabral. Professor Instrutor e doutorando na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Coordenou o Serviço de Forense do Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo (PJUR). Atuou como assessor técnico de Gabinete na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo de 2011 a 2017. Foi coordenador adjunto na Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde. Atualmente é diretor técnico do CAISM UNIFESP SPDM. Atua na área de políticas públicas em saúde mental, gestão pública, psiquiatria forense e psiquiatria geral do adulto.
Fonte: Obid – Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas – http://mds.gov.br/obid/entrevistas/rafael-bernardon