Setembro Amarelo: O uso de droga entre os jovens pode ser considerado como uma tentativa de suicídio?

22 de setembro de 201818min1970
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Atualmente o bullying pode ser um gatilho para o desenvolvimento de transtornos mentais nos jovens, que se não tratado corretamente pode levar ao suicídio. “Dr. Antônio Geraldo”

*Por Adriana Moraes

Caros leitores, a UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) novamente apoia a campanha “Setembro Amarelo” de conscientização sobre a importância da prevenção do suicídio. O mês de setembro é dedicado a prevenção, é um mês de alerta e proteção a vida, mas essa prevenção deve ocorrer diariamente, “o ano inteiro incansavelmente amarelo”.

Este ano vamos falar sobre o aumento significativo nas taxas de suicídio entre os adolescentes especialmente os jovens de 15 a 29 anos.  É muito difícil aceitar que um adolescente possa acabar com a sua vida. Infelizmente o suicídio é um fenômeno presente em todas as etapas da vida, mas tratando – se de jovens parece ainda ser mais chocante.

Os motivos que levam os jovens a executar algo contra sua própria vida são inúmeros.Para nos informar sobre esse tema polêmico, tive a satisfação de conversar com o psiquiatra **Dr. Antônio Geraldo da Silva, Presidente Eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL).

Campanha “Setembro Amarelo”

O objetivo da campanha “Setembro Amarelo” é alertar a população a respeito da realidade do suicídio no Brasil e no mundo e suas formas de prevenção. É importante lembrar que o suicídio é evitável e que o tratamento das doenças psiquiátricas é fundamental para que ele não aconteça.

Nos últimos anos, observamos mudança na mentalidade de que o suicídio precisa ser ocultado. Não falar sobre suicídio não diminuiu seus índices, pelo contrário, eles têm aumentado. A perspectiva atual é falar sobre o tema, trazendo números e porcentagens, quais são as pessoas em risco, diferenças de gênero e, no extremo, chega-se a falar do número de tentativas de suicídio em minutos, dias, meses ou anos. [1]

Falar sobre suicídio é o primeiro passo dentro da estratégia de prevenção. Com o sucesso da campanha “Setembro Amarelo”, houve um aumento no número de pessoas falando sobre o tema, mas é preciso falar corretamente, sem detalhes e métodos utilizados. A falta de conhecimento faz com que o assunto se torne tabu e muitas vezes uma palavra inadequada pode impedir a pessoa de sair da situação de conflito, ou mesmo aumentar o desejo de encerrar a própria vida.

Adolescência e o uso de drogas

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A adolescência para muitos é um período turbulento, marcado por diversas modificações biológicas, psicológicas e sociais. Ser jovem no mundo de hoje, definitivamente, não é fácil. Costuma-se usar a expressão ‘sensação de vazio’ para designar um estado aflitivo que acomete com frequência os mais jovens. São diversas situações estressantes: falta de habilidade para lidar com os problemas, expectativas que se transformam em uma realidade frustrante, busca de identidade, dificuldade de autoafirmação, impulsividade, drogas. [2]

A curiosidade dos jovens é um dos fatores de maior influência na experimentação de substâncias psicoativas, frequentemente é na fase escolar que o adolescente tem o primeiro contato com o mundo das drogas. A relação entre o uso de drogas e a adolescência é sempre preocupante, o uso precoce de drogas pode afastar o adolescente de seu desenvolvimento normal, impedindo-o de experimentar outras atividades importantes nesta fase da vida.

A adolescência é um período marcado por inúmeras transformações e conquistas importantes. É uma fase de desenvolvimento integral na qual ocorrem imensuráveis modificações no organismo especialmente, no sistema nervoso central (SNC). O uso de substâncias psicoativas, que passa a ser muito atraente nessa fase, pode causar danos irreversíveis à estrutura cerebral e aumentar o risco do desenvolvimento da dependência química. [3]

Transtorno Mental

Nem sempre é possível perceber os sinais que podem desencadear o ato suicida, bem como não podemos prever com certeza quem tentará cometer suicídio,mas devemos prestar mais atenção aos nossos familiares, colegas, algumas falas como, por exemplo, “o mundo vai ficar melhor sem mim” “minha vida não faz mais sentido” “não aguento mais” “que vontade de sumir” pode ser um sinal de que algo está errado.

Se percebermos alguma mudança brusca de comportamento, vulnerabilidade emocional ou qualquer característica de transtorno mental ou ainda ideação suicida, devemos orientar na busca por ajuda ou tratamento. Os transtornos mentais mais comumente associados ao suicídio são: depressão, transtorno do humor bipolar, dependência de álcool e de outras drogas psicoativas. Infelizmente, muitas vezes os transtornos mentais não são detectados ou não são adequadamente tratados. A população seria muito beneficiada se fosse informada a esse respeito: como reconhecer uma doença mental, quais os tratamentos disponíveis, sua efetividade e onde obter apoio emocional. Provavelmente, muitos seriam encorajados a procurar ajuda. [4]

SAMU

Importante citar que tudo que envolve o suicídio é uma emergência médica, em casos de urgência é necessário chamar o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), através do número 192.

Atendimento psicológico e psiquiátrico

Falta de esperança, tristeza permanente, desespero, dor na alma, angústia, solidão, medo, sofrimento psíquico extremo, bullying, sensação de não ter saída, por falta de ajuda e compreensão para muitos a morte passa a ser mais atraente que a vida. A ajuda especializada é fundamental para evitar que o problema não se agrave a ponto de a pessoa optar por consequências drásticas, desistindo de sua vida, buscando na morte o alívio, o fim.

Em muitos casos é necessário o atendimento psicológico e psiquiátrico especializado para lidar com a difícil tarefa de compreender emoções intensas, a ambivalência entre o desejo de viver e morrer, ampliar a visão estreita que considera a morte como única solução para o sofrimento. Sentir-se aceito, compreendido e não julgado, ter o sofrimento respeitado podem ser caminhos importantes para pessoas encontrarem sentido para continuar vivendo. [1]

Entrevista

Na área da saúde, prevenção se faz com informação. Em que medida falar sobre suicídio para os adolescentes é algo positivo em termos de prevenção?

Falar sobre o tema com adolescentes é muito importante para que o estigma relacionado ao tema seja quebrado e eles possam compreender que o suicídio está quase 100% relacionado à transtornos mentais. Tornando assim mais fácil a identificação e procura por tratamento.

Sabemos que o suicídio é um fenômeno presente em todas as etapas da vida, mas por que tantos adolescentes estão cometendo suicídio no auge de sua juventude?

O suicídio é a segunda causa de morte em jovens dos 15 aos 29 anos de idade. Em mulheres, é a principal causa de mortalidade na faixa etária dos 15 aos 19 anos. Apesar de ser o desfecho trágico de um conjunto de fatores – é equivocado e simplista associar o suicídio a uma única causa – estudos mostram que quase 100% das vítimas apresentavam pelo menos um transtorno psiquiátrico, especialmente a depressão, considerada o principal fator de risco para o suicídio.

Quais os principais fatores de risco que podem levar o adolescente ao suicídio?

Uma atenção especial deve ser dada aos adolescentes que sofreram maus tratos na infância (incluindo negligência, abuso emocional e sexual), aqueles que são vítimas de bullying e violência, além daqueles que apresentem automutilação e, principalmente, história prévia de tentativa de suicídio. É comum que esses adolescentes, fragilizados pela doença psiquiátrica, como depressão, transtorno de estresse pós-traumático ou abuso de substâncias, ao procurar na internet informações que o ajudem a entender o que estão sentindo, entrem em contato com conteúdo inadequado.

Em matéria publicada no site da BBC Brasil “Crescimento constante: taxa de suicídio entre jovens sobe 10% desde 2002” o bullying no ambiente escolar é citado como um dos principais elementos associados ao suicídio. Como trabalhar isso com os jovens?

Atualmente o bullying pode ser um gatilho para o desenvolvimento de transtornos mentais nos jovens, que se não tratado corretamente pode levar ao suicídio. Atualmente temos também o cyberbullying, onde o jovem sofre 24h por dia através das redes sociais e aplicativos de conversa, não somente quando está em ambiente escolar

É verdade que as pessoas que querem se suicidar não avisam? Os adolescentes costumam dar sinais?

A maioria dos suicidas fala ou dá sinais sobre suas ideias de morte. Boa parte expressou em dias ou semanas anteriores, frequentemente aos profissionais de saúde, seu desejo de tirar a vida. É importante os pais ficarem atentos aos comportamentos dos adolescentes, a perda de interesse em atividades antes importantes, o isolamento e frases que demonstrem desespero, desesperança e desamparo são sinais de alerta.

O uso de droga entre os jovens pode ser considerado como uma tentativa de suicídio?

O uso de substâncias por parte dos jovens pode gerar transtornos psiquiátricos, que por sua vez são fatores de risco para o suicídio. Não necessariamente quer dizer que o jovem tem a consciência que ao usar uma substância, as consequências podem ser tão graves. Por isso o combate às drogas deve ser feito, principalmente entre crianças e adolescentes, pois os riscos de consumo são muito altos.

Qual a principal recomendação para profissionais de saúde que tratam adolescentes que tentaram o suicídio?

Inicialmente faz-se necessário identificar se o mesmo apresenta algum transtorno psiquiátrico. A partir daí adequar, se for o caso, o tratamento, com uma assistência integral à saúde mental, que envolva equipe multiprofissional e multidisciplinar.

A internet facilita o acesso as informações sobre suicídio. Dessa maneira a internet pode motivar os adolescentes a cometer o suicídio?

Adolescentes que possuem transtornos mentais estão mais propícios à serem afetados por este tipo de informação na internet. É muito importante deixar claro que o compartilhamento de imagens que ensinem ou incentivem o suicídio é crime, os pais devem ficar atentos. Os responsáveis também devem estar sempre atentos às novas tecnologias e como os jovens as usam.

Qual seria a melhor maneira de abordar o tema suicídio? De que forma a mídia pode ajudar os jovens na prevenção ao suicídio?

Os pais devem iniciar a conversa de maneira exemplificada: “Você tem algum caso na escola, algum colega que já tentou suicídio ou que não está muito feliz?”. Se ao longo da conversa o adolescente apresentar ideação ou pensamento suicida, faça perguntas mais diretas e procure ajuda médica. A mídia pode ajudar compartilhando informações corretas sobre os transtornos mentais, sua identificação e prevenção. Desta forma quebraremos o estigma que gira em torno dos assuntos relacionados à saúde mental.

Agradecimento

Dr Antonio Geraldo

Dr. Antônio Geraldo, grata pela entrevista. Parabéns por todo seu empenho, especialmente, com a campanha “Setembro Amarelo”.

*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).

** Dr. Antônio Geraldo da Silva – Médico Psiquiatra – Presidente Eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL) – Diretor Tesoureiro e Superintendente Técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Referências:

[1] https://jornal.usp.br/artigos/suicidios-o-que-ainda-precisa-ser-dito/

[2] Trigueiro, André, 1966 – Viver é a melhor opção: a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo/André Trigueiro – São Bernardo do Campo. SP: Correio Fraterno, 2015.

[3] O tratamento do usuário de crack – Marcelo Ribeiro, Ronaldo Laranjeira (Orgs) 2ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2012.

[4] http://www.abp.org.br/manual-de-imprensa


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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