Prazer em excesso: dopamina, jogos online e o caminho da dependência

*Por Adriana Moraes
“Quanto mais buscamos o prazer, mais sofremos, e quanto mais sofremos, mais buscamos o prazer.” Anna Lembke, Nação Dopamina
Vivemos em uma era em que o prazer está a um clique de distância. A tecnologia nos oferece entretenimento, recompensas instantâneas e estímulos constantes. Mas qual é o impacto disso no nosso cérebro e na nossa felicidade? O que acontece quando aquilo que era apenas diversão começa a dominar nossos pensamentos, emoções e escolhas?Recentemente, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), incluindo o psiquiatra Dr. Ronaldo Laranjeira e a psicóloga Dra. Clarice Madruga, divulgaram um documento com propostas para conter o crescimento da dependência em jogos de azar online, com foco nas apostas esportivas (as chamadas BETs). O alerta é claro: precisamos proteger especialmente os adolescentes, grupo mais vulnerável ao desenvolvimento de comportamentos de risco.
O cenário preocupante dos jogos online
O estudo, III Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) realizado em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e outras instituições, revela que cerca de 10 milhões de brasileiros já apresentam algum grau de dependência em jogos. Entre os adolescentes, 84,1% jogam online, e mais da metade já apresenta sinais de envolvimento problemático.
Mas o que explica esse envolvimento tão intenso? A resposta está em uma substância poderosa e essencial do nosso cérebro: a dopamina.
A dopamina é um neurotransmissor que regula o sistema de recompensa cerebral. Ela está envolvida na sensação de prazer, mas também na motivação para buscarmos aquilo que nos dá prazer. Comida, sexo, conquistas, tudo isso ativa a dopamina de forma natural.
No entanto, o excesso de prazer imediato, sem limites ou pausas, pode levar à desregulação desse sistema. É o que explica a psiquiatra Anna Lembke em seu livro “Nação Dopamina”. Segundo ela, vivemos em uma sociedade hiperdopaminérgica, em que o prazer é buscado a todo custo, o tempo todo.
E quando esse prazer vem de forma artificial e intensa, como no uso de drogas ou em comportamentos como o jogo, o cérebro começa a exigir estímulos cada vez maiores para sentir a mesma recompensa. Surge, então, a tolerância e com ela, o risco da compulsão e da dependência.
A armadilha dos jogos de azar online
Nos jogos online, especialmente nos de apostas, a dopamina é liberada mesmo antes do resultado. A simples expectativa de ganhar já aciona o sistema de recompensa, mantendo o jogador engajado, mesmo quando as recompensas são esporádicas ou pequenas.
Com o tempo, esse comportamento pode se tornar compulsivo. O prazer passa a estar mais na antecipação da vitória do que no prêmio em si. A pessoa perde o controle, negligencia outras áreas da vida e continua jogando, mesmo diante de perdas, frustrações e sofrimento.
Esse ciclo de prazer e frustração constante pode levar a sentimentos de insatisfação, vazio emocional, ansiedade e isolamento. A dopamina, que antes proporcionava motivação e alegria, passa a ser o motor de uma busca incessante por algo que nunca satisfaz completamente. Como diz Anna Lembke em Nação Dopamina: “Quanto mais buscamos o prazer, mais sofremos, e quanto mais sofremos, mais buscamos o prazer.”
No livro, Lembke explica o equilíbrio entre prazer e dor no cérebro, destacando que, ao buscar excessivamente o prazer, seja no uso de drogas, redes sociais, comida, apostas, entre outros, nosso cérebro ajusta esse “termômetro” interno. Com o passar do tempo, o prazer diminui e o sofrimento aumenta. Esse sofrimento, por sua vez, nos leva a buscar ainda mais prazer para tentar compensar, criando um ciclo vicioso.
A longo prazo, o impacto da dependência é devastador: prejuízos na saúde mental, nas relações pessoais, na vida profissional e nos projetos de vida. O prazer se transforma em dor.
Quando é hora de buscar ajuda?
Se você ou alguém próximo está enfrentando um comportamento compulsivo, especialmente relacionado a jogos ou outras formas de prazer imediato, é essencial procurar apoio profissional. Psiquiatras, psicólogos e equipes especializadas podem ajudar a desenvolver estratégias de enfrentamento e recuperação.A dependência de jogos tem tratamento e a recuperação é possível. O primeiro passo é reconhecer que algo precisa mudar.
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química e Saúde Mental – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
Livro Nação Dopamina: por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar / Anna Lembke – 1ª edição – 2024
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