24 de novembro de 2024

Estudo afirma: uso de maconha por adolescentes aumenta risco de psicose

16 de outubro de 20189min189
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Por Ronaldo Laranjeira

Estudos mostram que pessoas propensas a problemas mentais geralmente são mais atraídas por entorpecentes

Um estudo conduzido pela pesquisadora Patricia Conrod, professora de psiquiatria da Universidade de Montreal, no Canadá, chegou a uma conclusão preocupante: o uso de maconha por adolescentes aumenta diretamente o risco de desenvolvimento de psicose. O estudo foi publicado no início do mês de junho, pelo respeitado jornal JAMA Psychiatry.   

O levantamento contou com a participação de 3.720 adolescentes da área metropolitana de Montreal que, por 4 anos, responderam a uma pesquisa anual e sigilosa via internet, na qual relatavam o uso ou não de cannabis e sintomas depsicose. O número representa 76% dos alunos da 7ª série que frequentam 31 escolas secundárias na região.  A pesquisa foi dividida em quatro períodos, com intervalo de 12 meses entre eles. No primeiro, os participantes tinham uma média de idade de 12,8 anos.

O resultado? Em todos os períodos foram identificadas, em níveis estatísticos relevantes, associações positivas entre o uso de maconha e sintomas de psicose, relatados um ano após o consumo da droga. Além disso, 86,7% dos participantes tiveram, no mínimo, dois períodos com relatos de sintomas de psicose. Já 94,4% dos adolescentes também relataram ao menos dois períodos de uso de cannabis. Tal situação demonstra-se preocupante no país, pois, segundo Conrod, pesquisas indicam que aproximadamente 30% dos estudantes mais velhos do ensino médio na província canadense de Ontário usam maconha.

A busca pela causalidade

O principal objetivo deste estudo era identificar ou descartar se o consumo de maconha estava diretamente relacionado ao surgimento posterior de sintomas da doença, em um cenário com alguns desafios. O primeiro? É durante a adolescência que geralmente começam tanto a psicose, quanto o uso de cannabis. O segundo: as informações sobre causalidade ainda são escassas. Grande parte desta situação se deve à forma como a maior parte das pesquisas sobre o tema tem sido feita até então, utilizando metodologias que promovem resultados sujeitos a questionamentos.

Para superar tais desafios, os pesquisadores usaram uma técnica complexa chamada Random Intercept Cross-Lagged Panel Model (RI-CLPM), que promove a coleta, análise e cruzamento de dados em diversos níveis.

As informações coletadas foram avaliadas em um teste de sintomas similares aos psicóticos em adolescentes, e em uma escala de seis pontos de frequência de uso de maconha. Dentre outras medidas, a técnica permitiu a análise individual das respostas dos participantes, por período e de forma geral, a comparação com o grupo e também dos perfis dos adolescentes.

Com os resultados finais em mãos, os pesquisadores puderam identificar de forma segura e individual se o aumento no consumo de maconha precede o aumento dos sintomas de psicose, e vice-versa. Foi possível inclusive diferenciar causalidade direta e associações temporais entre a droga e a doença.

É importante ressaltar que a pesquisa baseia-se em relatos dos adolescentes. Porém, os pesquisadores levaram isso em consideração, tendo estudado trabalhos anteriores, que indicam que a taxa de acerto em tais relatos varia de 80% a 100%. Além disso, a mecânica da pesquisa, totalmente confidencial e sem oferecer consequências aos jovens, proporcionou garantias aos adolescentes, que se sentiam mais à vontade para responder os questionamentos.

A importância dos resultados

Este estudo é hoje o teste mais rigoroso que se tem conhecimento sobre o assunto. A literatura médica mostra que pessoas propensas a problemas mentais geralmente são mais atraídas por entorpecentes, mas o levantamento mostra o caminho contrário – no caso da maconha, pessoas sadias que consomem a droga, mesmo sem histórico familiar de doença mental ou maior suscetibilidade aos efeitos da substância, têm um risco maior de desenvolvimento de psicose do que quem não é usuário.            

A novidade chega em um momento muito importante para o Canadá, que aprovou o consumo e cultivo da droga para maiores de 18 anos a partir de outubro. Muito se fala a respeito da diminuição da criminalidade e também do valor bilionário que pode ser arrecadado em impostos com a legalização e venda de maconha. Mas estas alegações precisam ser debatidas.  

No primeiro caso, creio que se trata de uma conjectura, pois não existem dados conclusivos que demonstrem que a descriminalização acabe com o tráfico. Se atualmente ele já promove um mercado paralelo de cigarro e bebidas alcoólicas (contrabandeados ou falsificados), o que o impedirá de fazer o mesmo com a maconha? O European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction indica que em Portugal, que descriminalizou o consumo de drogas, o tráfico até aumentou.

Já com relação aos impostos arrecadados, fico me questionando se tal valor compensa o impacto que certamente será provocado à saúde dos usuários e, consequentemente, à rede pública de saúde. A entidade governamental norte-americana Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimou em 2016 que o abuso de álcool, uma droga legal, custava aos contribuintes, setor industrial e cofres públicos dos Estados Unidos 249 bilhões de dólares por ano (mais de 921 bilhões de reais). Você não leu errado, as cifras são impressionantes e seguem a linha de outros levantamentos que também apontam impactos bilionários.                        

Com isso em mente, afirmo: medidas como essa não podem ser tomadas baseando-se em debates filosóficos. Se cercar das melhores informações, para tomar decisões abalizadas em fatos é crucial. Porém, enquanto as evidências científicas confiáveis apontam para um lado, as políticas públicas (muito afetadas por lobby político ou financeiro) seguem para outro. Não se pode brincar com a vida das pessoas, mas, infelizmente, é isso que está acontecendo.

Fonte: Veja.com.br


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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