Tabagismo passivo e câncer de pulmão
LUIZ ANTONIO SANTINI, Folha de S. Paulo, 13/04/09, Tendências/Debates
A fumaça que sai da ponta de cigarros e charutos e se acumula em recintos coletivos não causa apenas incômodo: ela mata mesmo.
EXISTEM, SIM, inúmeras evidências científicas provando a relação entre fumo passivo e câncer de pulmão, diferentemente do que afirmou Denis Rosenfield em seu artigo “Formação da opinião pública” (“Tendências/Debates”, 1º/4).
E é devido a essas evidências que o tabagismo passivo já é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a terceira causa de morte evitável no mundo, subsequente ao tabagismo ativo e ao consumo excessivo de álcool. Vamos a elas.
Em 2004, uma vasta revisão de estudos e pesquisas que se acumulam desde a década de 80 sobre os riscos do tabagismo passivo levou a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da OMS a concluir que a fumaça de derivados do tabaco é cancerígena e genotóxica para seres humanos. E que não-fumantes expostos a essa fumaça se tornam fumantes passivos, pois respiram os mesmos elementos tóxicos inalados por fumantes ativos.
Relatório similar também foi publicado pelo Surgeon General (órgão equivalente ao Ministério da Saúde) e pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), ambos dos EUA. As pesquisas também concluem que não existem níveis seguros para essa exposição. E que, quanto maior esta for, em tempo e intensidade, maiores serão os riscos.
Outro dado conclusivo é que não há sistema de ventilação capaz de eliminar exposição e riscos a níveis mínimos aceitáveis. Agências de proteção ambiental dos EUA e de outros países recomendam o banimento do ato de fumar de recintos coletivos como a única forma de proteger todos dos riscos do tabagismo passivo. Estudos epidemiológicos em várias partes do planeta se acumulam mostrando de forma substantiva que não-fumantes expostos à fumaça ambiental de tabaco têm risco 30% maior de desenvolver câncer de pulmão e 24% maior de ter infarto.
Um dos efeitos deletérios mais imediatos da fumaça ambiental de tabaco é sobre o sistema cardiovascular. Estudos do efeito da fumaça nos vasos sanguíneos mostram o aparecimento quase imediato de inflamação e alterações agudas no endotélio (superfície interna); constrição desses vasos; aumento da capacidade de agregação das plaquetas no sangue, levando à formação de trombos, dentre outras alterações. Estas podem causar ou precipitar manifestações agudas de doenças cardiovasculares, como infarto e tromboses, principalmente em pessoas que já sofrem de síndromes coronarianas agudas.
As evidências desses danos levaram o CDC dos EUA a recomendar “que todos os pacientes sob risco de doença coronariana ou com doença arterial deveriam ser aconselhados a evitar recintos onde é permitido fumar”.
Um aspecto importantíssimo é que o tabagismo passivo atinge mais intensamente as crianças, com sérias consequências à saúde, incluindo bronquite e pneumonia, desenvolvimento e exacerbação da asma, infecções do ouvido médio e síndrome da morte súbita.
Enfim, a fumaça que sai da ponta de cigarros, charutos e outros e se acumula em recintos coletivos não causa apenas incômodo. Ela mata mesmo.
Pesquisas mostram que no Reino Unido morrem por ano cerca de 2.700 não-fumantes devido ao tabagismo passivo. São 20 mil na União Europeia e 50 mil nos EUA. No Reino Unido, o tabagismo passivo no trabalho contribui para cerca de metade das mortes anuais entre trabalhadores da indústria de hospitalidade.
No Brasil, epidemiologistas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro estimaram que morram cerca de 3.000 não-fumantes por ano devido ao tabagismo passivo. Outro estudo da UFRJ estimou que o governo gasta por ano R$ 19,15 milhões com tratamento de doenças provocadas pelo tabagismo passivo e R$ 18 milhões com o pagamento de pensões.
O peso dessas evidências levou a Convenção-Quadro da OMS para Controle do Tabaco, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, a recomendar a proibição do ato de fumar em recintos coletivos como a melhor prática para proteger todos do tabagismo passivo. Também desaconselha alternativas como sistema de ventilação e filtragem do ar.
E o Brasil, enquanto parte desse tratado, vem se esforçando para dar à população a proteção mais adequada contra a exposição à fumaça ambiental de tabaco em recintos coletivos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 4º, define liberdade como o direito de “poder fazer tudo o que não prejudique os outros”. Portanto, está perfeitamente justificado que os fumantes mantenham a liberdade de fumar, desde que não o façam em recintos coletivos. Ao buscar o aperfeiçoamento da sua legislação, o Estado não restringe o direito individual de fumar. Mas busca cumprir com seu dever de garantir à sociedade um direito básico: o direito à saúde.
LUIZ ANTONIO SANTINI, médico, professor, é diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e membro da diretoria da União Internacional contra o Câncer (UICC).