Os custos de doenças tabaco-relacionadas para o Sistema Único de SaúdeOs custos de doenças tabaco-relacionadas para o Sistema Único de Saúde
Cadernos de Saúde Pública
versão ISSN 0102-311x Cad. Saúde Pública vol.26 no.6 Rio de Janeiro jun. 2010 doi: 10.1590/S0102-311X2010000600016
ARTIGO ARTICLE
The cost of tobacco-related diseases for Brazil’s Unified National Health System
Márcia PintoI; Maria Alicia Domínguez UgáII
IInstituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
IIEscola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Este estudo teve como objetivo calcular os custos diretos de internações por doenças tabaco-relacionadas em 2005, sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS) para três grupos de doenças: câncer, aparelhos circulatório e respiratório. Para o câncer, os custos com quimioterapia também foram considerados. Foram utilizados dados das bases administrativas dos sistemas de informação do SUS e indicadores epidemiológicos, como prevalência e riscos relativos de cada doença analisada. Os custos atribuíveis ao tabagismo foram de R$ 338.692.516,02, representando 27,6% dos custos totais dos procedimentos analisados para os três grupos. Se consideradas as internações e procedimentos de quimioterapia pagos para todas as patologias, os custos alcançaram 7,7% dos custos totais. Ainda, 0,9% das despesas com ações e serviços de saúde financiados com recursos próprios da esfera federal podem ser atribuídos ao tabagismo em 2005. Os resultados são conservadores para o Brasil e sugerem a necessidade de dar continuidade às pesquisas que mensurem a carga total do tabagismo sob a perspectiva da sociedade.
Custos de Cuidados de Saúde; Hospitalização; Quimioterapia; Tabagismo
ABSTRACT
This study aimed to identify the direct costs of hospitalizations due to three smoking-related groups of diseases – cancer and circulatory and respiratory diseases – in Brazil’s Unified National Health System (SUS) in 2005. For cancer, the cost of chemotherapy was also included. The study derived cost estimates using administrative databases, relative risks, smoking prevalence, and smoking-attributable fraction. According to the estimates, smoking- attributable medical expenditures for the three disease groups amounted to R$338,692,516.02 (approximately U$185 million), accounting for 27.6% of total medical expenditures. Considering all hospitalizations and chemotherapy provided by the National Health System, tobacco-related diseases accounted for 7.7% of total medical expenditures. These costs also represented 0.9% of expenditures by federally funded public health services. This study provides a conservative estimate of smoking-related costs and suggests the need for continued research on comprehensive approaches to measure the total burden of smoking for society.
Health Care Costs; Hospitalization; Drug Therapy; Smoking
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o tabagismo é responsável por aproximadamente 5,4 milhões de óbitos anuais. Até 2030, esses números experimentarão um crescimento significativo de 48%, passando para 8 milhões de óbitos, dos quais 80% ocorrerão em países em desenvolvimento 1. No Brasil, as estimativas são de aproximadamente 200 mil mortes ao ano 2. O tabagismo gera uma carga econômica substantiva para as sociedades, caracterizada pelos custos da assistência médica e da perda de produtividade devido à morbidade e à morte prematura 3.
Nos últimos anos, observa-se um crescimento da aplicação do instrumental da análise econômica em saúde para estimar os custos do tabagismo, com a apropriação dos métodos da Estatística e da Epidemiologia. Considerando essas possibilidades, cabe apontar como determinados conceitos desses campos do conhecimento têm sido utilizados para apresentar estimativas mais fidedignas acerca dos prejuízos causados pelo consumo de derivados do tabaco.
Nos estudos econômicos em saúde, a escolha da perspectiva é uma decisão metodológica importante, pois determina que tipos de custos e efeitos serão analisados e como valorá-los. A análise econômica pode ser realizada sob a perspectiva da sociedade, do paciente, do prestador de serviços de saúde e do órgão financiador do sistema de saúde. De cada uma dessas perspectivas deriva um efeito econômico diferenciado na apuração dos custos. No caso dos custos tabaco-relacionados, grande parcela dos trabalhos tem adotado a perspectiva da sociedade, por ser mais abrangente ao mensurar custos diretos e indiretos 4,5,6,7,8.
No tocante ao consumo de recursos durante o processo de assistência à saúde, os custos diretos referem-se ao valor de todos os bens, serviços e outros recursos que são consumidos durante o processo de assistência, inclusive quando há efeitos adversos ou outras conseqüências presentes e futuras decorrentes desse processo 9. Estão associados ao conceito do custo de oportunidade dos insumos utilizados no tratamento de uma patologia. O conceito de custo de oportunidade refere-se ao valor dos benefícios que seriam obtidos caso os recursos requeridos para essa intervenção fossem utilizados na segunda melhor alternativa 10.
Há três métodos aplicáveis às estimativas dos custos diretos:
i) “De cima para baixo” (top-down): mensura o quanto de uma determinada patologia é atribuível à exposição a um fator de risco. Esse método se inicia pela definição de uma subpopulação diagnosticada com determinada doença e são registrados todos os custos associados a ela 11. Custos atribuíveis ao tabagismo são aplicáveis a esse método 7;
ii) “De baixo para cima” (bottom-up): as estimativas utilizam o cálculo do custo médio do tratamento da doença multiplicado pela sua prevalência 12; e
iii) Econometric method: esta abordagem – econométrica ou incremental – estima a diferença de custos de duas coortes que são pareadas por características demográficas e pela presença de condições crônicas, utilizando métodos advindos da Econometria associados aos métodos de cálculos de custos, podendo ser aplicado o teste de diferença entre os custos médios ou as análises de regressão multinível 12.
Os custos indiretos estão associados à perda de produtividade econômica devido à morbidade e à mortalidade, e podem ser medidos por meio de aposentadorias e pensões precoces e perda de renda. Para algumas doenças, os custos indiretos podem ser mais elevados que os custos diretos. Apesar das dificuldades de mensuração e das controvérsias acerca da aplicação do método mais adequado, três abordagens são usadas com maior freqüência: capital humano, custos de atrito (friction costs method) e disponibilidade de pagar (willingness to pay) 13,14. No que tange aos custos do tabagismo, observa-se a aplicação do método do capital humano 4,5 e do custo de atrito 7.
Alguns estudos incluem as estimativas dos custos intangíveis, como a dor e o sofrimento dos pacientes e das suas famílias, usualmente por meio de medidas de qualidade de vida. No entanto, essa categoria de custos sobre a qual não há consenso, é freqüentemente omitida devido à dificuldade de quantificação 12.
Um dos métodos utilizados com maior fre-qüência para a realização de estimativas nacionais é o do custo da doença, que inclui os custos diretos e indiretos e podem ser analisados usando-se estudos de prevalência ou incidência 11.
O custo da doença mensura o impacto econômico de patologias, programas de prevenção, bem como de fatores de risco, como o tabagismo 5,6,7,8,15.
O método que estima os custos prevalentes refere-se à prevalência de determinada doença e leva em consideração os casos e os recursos necessários para a prevenção, tratamento e reabilitação, além da perda de produtividade para uma população durante um intervalo de tempo 11. Os estudos baseados na prevalência têm uma ampla aplicação e fornecem estimativas anuais. A comparabilidade dos resultados é uma de suas vantagens 16.
A primeira publicação que apurou os custos prevalentes tabaco-relacionados data de 1978 nos Estados Unidos e estimou os custos médicos diretos. A pesquisa utilizou o risco atribuível (RA) como medida para estimar a proporção de casos de determinada doença que seria atribuível ao tabagismo. Dessa análise, derivou a Fração Atribuível ao Tabagismo (FAT) 17. O Office of Technology Assessment (OTA) apropriou à fórmula de cálculo a taxa de mortalidade por sexo, gênero e categoria de doenças, dados demográficos e de utilização de serviços de saúde 18. Essas novas estimativas foram incorporadas ao programa Smoking Attributable Mortality, Morbidity and Economic Costs (SAMMEC) que fornece periodicamente dados de mortalidade, morbidade e de custos totais do tabagismo nos Estados Unidos. O SAMMEC é distribuído pelo Centers of Disease Control and Prevention (CDC) aos estados norte-americanos, o que possibilita a mensuração dos custos e fornece uma ferramenta de extrema importância para orientar a tomada de decisão sobre a alocação de recursos e as estratégias de prevenção nos níveis estadual e federal 19. Diante das possibilidades de aplicação do método, uma série de estudos tem sido realizada para estimar os custos prevalentes tabaco-relacionados em termos nacionais 4,5,6,7,8,15.
A proposta metodológica para estimar custos incidentes adota o cálculo a partir do tempo de vida de pacientes acometidos por determinada doença. Uma das limitações desse método para mensurar a carga econômica atribuível ao tabagismo está na comparação entre os resultados dos estudos que consideram o RA, dado que uma análise de incidência produz estimativas mais reduzidas. Ademais, há dificuldades de se obter os dados de morbidade e de custos, pois o hiato entre o início da exposição e o diagnóstico da patologia pode levar vinte anos 20,21,22,23.
Na tentativa de desagregar todos os custos atribuídos ao tabagismo, duas grandes categorias – tangíveis e intangíveis – foram definidas a fim de estimar a amplitude do seu impacto sobre a economia, a sociedade e os indivíduos. Os custos tangíveis (mensuráveis) recaem sobre o sistema de saúde, a produtividade laboral, o sistema previdenciário (devido às pensões e aposentadorias precoces) e o meio ambiente (devido à poluição ambiental gerada pela fumaça e ao processo de cura da folha de tabaco, e ao uso intensivo de agrotóxicos, responsáveis pela degradação de florestas e do solo). No que se refere aos custos intangíveis, são com freqüência eleitos como os mais importantes a morte e o sofrimento de fumantes, ex-fumantes e de seus familiares 24.
Portanto, a magnitude dos custos devido ao consumo de derivados do tabaco é significativa e impõe uma carga importante tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Estimativas conservadoras indicam que os custos em saúde atribuíveis às doenças associadas ao tabagismo alcançam em termos globais cerca de US$ 200 bilhões por ano, sendo a metade em países em desenvolvimento. Ainda, os custos gerados somente pela prestação de serviços de saúde podem variar de 0,1% a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em países de alta renda. Ademais, tais custos variam de 6% a 15% das despesas nacionais com saúde e, para todas as faixas etárias, o custo médio da assistência aos fumantes supera o de não-fumantes. Nas economias menos desenvolvidas essas informações estão pouco disponíveis, porém estima-se que proporcionalmente os custos da assistência médica são tão elevados quanto os verificados nas economias industrializadas 25.
Diante do cenário apresentado anteriormente, este trabalho tem como objetivo estimar os custos da assistência de doenças tabaco-relacionadas para o Sistema Único de Saúde (SUS) e justifica-se pela ausência de pesquisas nesta área no Brasil. Considerando a política pública de controle do tabagismo, o estudo pretende contribuir para que seus formuladores ampliem o reconhecimento sobre a extensão da carga atribuída a esse fator de risco, auxiliando no planejamento e na tomada de decisão sobre a alocação de recursos no interior do sistema de saúde.
Material e métodos
Neste trabalho optou-se por mensurar os custos diretos atribuíveis ao tabagismo, considerando o custo do tratamento das principais doenças tabaco-relacionadas para indivíduos com mais de 35 anos em 2005. A perspectiva é a do SUS, na esfera federal. O estudo examinou os custos referentes às internações para três grupos de doença: câncer, aparelho circulatório e respiratório. No que tange às neoplasias foram também considerados os custos dos procedimentos de quimioterapia.
Para o cálculo dos custos atribuíveis ao tabagismo foi necessário agregar parâmetros epidemiológicos – prevalência de tabagismo, risco relativo (RR) e risco atribuível populacional (RAP) – aos dados financeiros gerados pelo formulário Autorização de Informações Hospitalares (AIH) e pela Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade na área de oncologia (APAC/ONCO) no ano de 2005. Assim, duas etapas foram desenvolvidas, conforme explicitado a seguir.
Identificação dos grupos de doenças tabaco-relacionadas
A identificação dos grupos – câncer, aparelho circulatório e aparelho respiratório – foi realizada com base no Cancer Prevention Study II (CPS-II) 26,27,28. O CPS-II é um estudo de coorte prospectivo conduzido pela American Cancer Society (ACS) desde 1989 nos Estados Unidos, e que estabeleceu a associação entre o tabagismo e determinadas enfermidades. Como o CPS-II categoriza as patologias pela Classificação Internacional das Doenças, 9ª Revisão (CID-9), neste trabalho foram compatibilizados os códigos desta revisão com a Classificação Internacional das Doenças, 10ª Revisão (CID-10), segundo os critérios do Mortality Statistics Branch do CDC 29.
O diagnóstico principal da internação e da quimioterapia foi definido baseando-se no código de categorias de três caracteres da CID-10 para cada uma das enfermidades dos grupos mencionados anteriormente. As doenças selecionadas para o estudo de custos são apresentadas na Tabela 1.
Cálculo dos custos a partir da aplicação da FAT
Para alocar a proporção dos custos totais às doenças associadas ao tabaco foi utilizada a FAT, que fornece uma estimativa da proporção de casos e dos respectivos custos de tratamento que são atribuíveis ao tabagismo. A literatura indica que não há consenso acerca da fórmula para atribuir os casos ao tabagismo. Optou-se neste estudo para o cálculo da FAT a aplicação do método proposto por Levin em 1953 – RAP -, também conhecido como “risco atribuível de Levin” 30, fração etiológica 31 ou fração atribuível 32. A fórmula proposta pelo método é a seguinte:
Em que p é a prevalência do tabagismo na população e RR é a medida do risco relativo de cada doença.
O dado de prevalência do tabagismo utilizado foi o apurado pela Pesquisa Mundial de Saúde (PMS) que possui representatividade nacional. De acordo com essa pesquisa, a prevalência foi de 22,5% para o sexo masculino e de 14,4% para o feminino 33. Utilizou-se o RR do CPS-II categorizado por sexo e, no caso das doenças do aparelho circulatório, também por faixa etária. Recorreu-se ao CPS-II devido à indisponibilidade dessas informações para o Brasil. Os resultados da aplicação da fórmula encontram-se na Tabela 1.
Cabe ressalvar que selecionamos o grupo etário acima dos 35 anos devido à necessidade de operacionalizar a pesquisa com base nos dados CPS-II e de um fator importante associado ao desenvolvimento das patologias. A literatura indica que há um hiato entre o início da exposição e a manifestação das enfermidades associadas ao tabagismo 25. A infância e a adolescência são as fases em que a exposição a esse fator de risco se inicia e, dada a gravidade desta constatação, a dependência à nicotina é denominada de doença pediátrica 34,35. Assim, é no grupo etário com mais de 35 anos que a carga do tabagismo se manifesta com maior freqüência em termos de morbidade e mortalidade 36.
Os dados de internações das AIH pagas foram obtidos por meio de CD-ROM 37. Para a identificação dos custos referentes à quimioterapia, foram utilizados os dados da APAC-ONCO que constam no Sistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade na área de Oncologia (SIA/SUS-APAC/ONCO). Ambas as bases são disponibilizadas pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS).
Cada FAT foi multiplicada pelos custos totais por patologia extraídos da AIH e da APAC-ONCO a fim de se atribuir os custos tabaco-relacionados para o SUS. É importante observar que os valores pagos pelo Ministério da Saúde às organizações de saúde representam uma parcela dos custos diretos médico-hospitalares. Deve-se ressaltar também que os custos das internações e procedimentos de quimioterapia relacionam-se com as transferências financeiras aos prestadores de saúde contratados e conveniados ao SUS, e não incorporam os salários pagos aos servidores públicos que atuam em instituições de saúde vinculadas às instâncias federais.
Resultados
Internações
Em 2005, foram realizadas 401.932 e 512.173 internações de mulheres e homens com 35 anos ou mais, respectivamente, para os três grupos de enfermidades selecionados. Desse total, 144.241 internações (35,9%) do sexo masculino e 138.308 (27%) do feminino foram atribuíveis ao tabagismo (Tabela 2).
Custos totais atribuíveis ao tabagismo
Os custos totais para os três grupos de enfermidades das internações e procedimentos de quimioterapia alcançaram para o SUS em 2005 um montante de R$ 338.692.516,02 ou 27,6% de todos os custos do SUS, considerando os indivíduos com 35 anos ou mais para os mesmos três grupos de enfermidades. Na comparação entre os custos totais com os custos tabaco-relacionados, as enfermidades do aparelho respiratório foram responsáveis por 41,2%, enquanto que as neoplasias e as doenças do aparelho circulatório foram 36,3% e 20,2%, respectivamente (Tabela 3).
Custos totais atribuíveis ao tabagismo por grupo de enfermidades
• Câncer
Os custos totais das internações e dos procedimentos de quimioterapia alcançaram R$ 316.083.126,11 para ambos os sexos, dos quais R$ 114.668.026,24 (36,3%) podem ser atribuídos ao tabagismo (Tabela 3).
As internações para o sexo masculino custaram R$ 61.161.787,00, e R$ 29.518.769,45 (48,3%) foram atribuídos ao tabagismo. Em termos absolutos por localização, os custos do tratamento de pacientes com câncer de lábio, cavidade oral e faringe (R$ 10.331.098,95), esôfago (R$ 5.836.443,49) e laringe (R$ 4.972.639,67) foram os maiores entre as neoplasias selecionadas. Em relação à quimioterapia, o montante associado ao tabagismo registrou custos de R$ 56.936.679,00 ou quase a metade (48,4%) dos custos totais. As neoplasias de lábio, cavidade oral e faringe, traquéia, brônquios e pulmões, e esôfago registraram os maiores custos com a realização de procedimentos de quimioterapia (Tabela 4).
Para o sexo feminino, os custos totais com internações foram de R$ 48.802.441,60 e os custos tabaco-relacionados representaram R$ 9.421.901,91(19,3%). Os maiores valores foram registrados para o câncer da traquéia, brônquios e pulmões (R$ 2.791.094,43), seguidos pelas neoplasias de lábio, cavidade oral e faringe (R$ 1.990.249,78), esôfago (R$ 1.563.117,27) e colo do útero (R$ 1.239.304,04). Os procedimentos de quimioterapia somaram R$ 88.453.138,93, dos quais R$ 18.790.675,88 (21,2%) foram direcionados para o tratamento de neoplasias atribuíveis ao tabagismo. As neoplasias de traquéia, brônquios e pulmões, e esôfago registraram custos importantes, bem como o câncer de lábio, cavidade oral e faringe (Tabela 5).
• Doenças do aparelho circulatório
Os custos totais das internações por doenças do aparelho circulatório alcançaram R$ 723.169.661,35 e os custos atribuíveis ao tabagismo foram responsáveis por R$ 145.757.575,25 (20,2%) para ambos os sexos (Tabela 3).
A Tabela 4 mostra que os custos totais de internações, entre homens, somaram R$ 431.647.072,29 e a parcela atribuível ao tabagismo foi de R$ 95.249.907,74 (22%). As doenças isquêmicas do coração foram responsáveis pelo maior volume de custos (R$ 62.618.076,56) representando 20,9%, seguidas das enfermidades cerebrovasculares (R$ 21.039.837,53) com 25,3% e pelas doenças das artérias, arteríolas e capilares (R$ 11.591.993,64) com 24%. Entre as mulheres, os custos totais das internações foram de R$ 291.522.589,06. De forma similar aos resultados apurados para o sexo masculino, os custos das internações associadas ao tabagismo foram mais elevados para as doenças isquêmicas do coração, totalizando R$ 29.312.872,13 (18,4%), seguidos pelas doenças cerebrovasculares R$ 17.466.755,06 (18%) e pelas doenças das artérias, arteríolas e dos capilares R$ 3.728.040,33 (10,7%) (Tabela 5).
• Doenças do aparelho respiratório
Os custos totais das internações por doenças respiratórias alcançaram R$ 189.952.995,36. O montante atribuído ao tabagismo foi de R$ 78.266.914,53, correspondendo a 41,2% dos custos totais (Tabela 3). Para os sexos masculino e feminino, os custos tabaco-relacionados foram responsáveis por 44,7% (R$ 37.018.171,30) e 38,5% (R$ 41.248.743,30), respectivamente (Tabelas 4 e 5).
Carga econômica do tabagismo para o SUS
As internações por todas as patologias custaram R$ 3.809.446.536,23 ao SUS em 2005 para indivíduos com 35 anos ou mais. Desse montante, 6,9% (R$ 262.965.161,14) foram atribuíveis ao tabagismo. Em relação à quimioterapia, os custos totais considerando-se os códigos de três caracteres de C00 a C97 do capítulo 2 da CID-10 foram de R$ 578.348.585,21. Essa assistência representou 13,1% para os casos associados ao tabagismo. Portanto, segundo esses resultados, os custos atribuíveis ao tabagismo representaram 7,7% dos custos totais apurados nos três grupos de enfermidades selecionados (Tabela 6).
Os resultados aqui apresentados indicam que os custos com a realização de procedimentos de quimioterapia foram quase o dobro (1,9) daqueles registrados com internação. Tais resultados podem corroborar a magnitude desse problema de saúde pública ao demandar a realização de procedimentos de alta complexidade e alto custo para o tratamento das doenças a que está associado.
Uma análise também pertinente refere-se às despesas com ações e serviços públicos de saúde financiadas por recursos próprios da esfera federal em 2005 e que totalizaram R$ 36.495.170.000. A comparação aponta que os custos estimados neste estudo representaram 0,9% desse montante (Ministério da Saúde. Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde – SIOPS. http://siops.datasus.gov.br/despsaude.php?escacmp=1, acessado em 05/Mai/2009).
Considerações finais
Apesar de os resultados aqui apresentados, em termos relativos, indicarem a carga econômica do tabagismo sobre o SUS, deve-se destacar que nossos resultados estão subestimados. Essa afirmação pode ser justificada pelas limitações do estudo, relativas ao financiamento da assistência, ao processo de geração de informações por meio dos bancos de dados administrativos e às medidas epidemiológicas utilizadas.
A primeira limitação refere-se à ausência de ajustes periódicos da Tabela de Procedimentos do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), cujos preços não refletem os custos médios da assistência oferecida pelas organizações de saúde contratadas e conveniadas ao SUS. A segunda limitação remete à restrição orçamentária gerada pela determinação do teto financeiro da AIH, que acaba por exigir que estados e municípios disponibilizem recursos de seu orçamento para o tratamento das doenças associadas ao tabagismo. Neste estudo, a parcela de recursos destinada ao tratamento dessas patologias por outras esferas governamentais não foi levantada.
Pode-se citar como terceira limitação o fato de alguns procedimentos que compõem o tratamento das doenças selecionadas não terem sido considerados, por ausência de informação. Por isso, foram calculados apenas os custos referentes às internações e aos procedimentos de quimioterapia. A indisponibilidade e a insuficiência de informações nos bancos de dados administrativos não permitiram identificar a realização de todos os procedimentos que a assistência médica das enfermidades associadas ao tabagismo requerem. Para a realização de estudos de custos que considerem o tratamento completo é necessário conhecer o itinerário do paciente no sistema de saúde, o que possibilitaria identificar o consumo de recursos em todas as fases da assistência. No entanto, mesmo com a ausência de dados nacionais que se refiram à linha de cuidados efetivamente prestados aos indivíduos, vários pesquisadores no Brasil têm realizado estimativas de custos e gastos em que elegem a perspectiva do órgão financiador e utilizam as bases de dados administrativos do SUS 38,39.
A quarta limitação aponta para o fato de as enfermidades aqui analisadas abrangerem um número significativo de doenças. De acordo com a OMS, o tabagismo é fator de risco para uma série de outras, não avaliadas aqui, e que podem ampliar o montante encontrado neste trabalho 40. Finalmente, o uso do RR do CPS-II para o cálculo da FAT nacional, pois guarda diferenças (biológicas, culturais e da carga tabágica) entre o nosso país e os Estados Unidos. Contudo, é importante mencionar que o CPS-II tem sido utilizado largamente para calcular os custos atribuíveis ao tabagismo como nos estudos estadunidenses e alemães 6,41.
É importante observar que por questões metodológicas há uma dificuldade de comparar os resultados encontrados neste estudo com os de outras pesquisas, devido aos seguintes aspectos: (i) abrangência (o objetivo pode ser o de calcular os custos para o país, determinada região ou cidade); (ii) escolha do método; (iii) diversidade no tipo e na quantidade de serviços de saúde considerados no cálculo dos custos diretos; (iv) diferença no quantitativo de doenças selecionado para a análise; e (v) diferença da estrutura de financiamento dos sistemas de saúde.
Porém, ainda que os resultados aqui encontrados não possam ser comparados com as pesquisas internacionais, importa ressaltar algumas estimativas realizadas pelos países desenvolvidos e mais recentemente por economias em desenvolvimento. As experiências mostram que os métodos de coleta e análise de dados epidemiológicos e econômicos estão sendo aprimorados, dada a relevância dos custos do tabagismo para os orçamentos de saúde. Nos Estados Unidos, os custos diretos e indiretos alcançaram US$ 167 bilhões entre 1997 e 2001 15. Na Alemanha, estimativas indicam que, para o ano de 1996, a carga econômica relacionada à prestação de serviços de saúde para o tratamento de doenças tabaco-relacionadas foi de 16 bilhões de Euros, e em 2003 esta cifra alcançou 21 bilhões de Euros 6,7. Na Índia, foram estimados os custos diretos e indiretos para 2004, usando-se o método dos custos prevalentes. Quatro grandes categorias de doenças foram avaliadas e os custos alcançaram US$ 1,7 bilhão 8. Em Taiwan, com base no método de cálculo do capital humano, foram mensurados custos do absenteísmo e da perda de produtividade ocasionados por doenças tabaco-relacionadas e que alcançaram US$ 1 bilhão 4. No Vietnã, a análise estimou custos de internações por câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica e doenças isquêmicas do coração em 18 meses e que representaram 0,22% do PIB do país e 4,3% das despesas nacionais com saúde 42.
Este estudo foi uma primeira tentativa de estimar custos associados ao tabagismo no Brasil. Segundo nossas estimativas, o tabagismo foi responsável por 7,7% dos custos de todas as internações e procedimentos de quimioterapia pagos pelo SUS para todas as patologias em 2005. Na análise para as despesas com ações e serviços de saúde da esfera federal, os resultados alcançaram 0,9%. Entretanto, essa participação estimada pode ser considerada como a ponta do iceberg da real carga econômica do tabagismo para o SUS. Aprimorar a qualidade e aumentar o quantitativo de pesquisas pode fortalecer os argumentos dos gestores acerca da carga econômica que o tabagismo impõe ao país e subsidiar a implantação de novas ações e estratégias, como a responsabilização da indústria do tabaco, o que já ocorre nos Estados Unidos 43.
Colaboradores
M. Pinto foi responsável pela concepção do artigo, análise dos bancos de dados, interpretação dos resultados, levantamento bibliográfico e elaboração do texto. M. A. D. Ugá colaborou com a concepção do artigo, discussão e revisão do conteúdo do texto.
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Correspondência:
M. Pinto
Instituto Fernandes Figueira
Fundação Oswaldo Cruz
Av. Rui Barbosa 716
Rio de Janeiro, RJ 22250-020, Brasil
mpinto@iff.fiocruz.br
Recebido em 19/Ago/2009
Versão final reapresentada em 11/Mar/2010
Aprovado em 27/Abr/2010