A batalha contra o cigarro
Medicamentos com ação antidepressiva costumam ter um maior índice de sucesso entre as mulheres
Fabiana Caso – O Estado de S.Paulo
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– Um dado que impressiona, principalmente quem não fuma: 80% dos ex-fumantes dizem que largar o vício foi o maior desafio de suas vidas. A empreitada é até pior para as mulheres, pois, além da dependência química, elas costumam ter uma relação afetiva com o cigarro. Veem nele um companheiro e um remédio para contrabalançar o estresse, tristezas e frustrações. Ainda por cima, são mais suscetíveis à depressão, que pode ser desencadeada tanto pelo hábito de fumar como pelo abandono do vício.
Felizmente, elas não são maioria na população fumante hoje, no Brasil: representam de 12% a 15%, contra a faixa de 22% a 24% de tabagistas homens. No entanto, os médicos dizem que eles somam um maior número de ex-fumantes. Ou seja, pelo que sugerem os dados, as mulheres têm maiores dificuldades para largar o cigarro. A boa notícia é que há novos medicamentos e combinações para quem quer dar um basta ao vício, além de profissionais capacitados.
Foi-se o tempo em que a responsabilidade toda era jogada nas costas do fumante: ninguém mais diz que é preciso apenas força de vontade para abandonar o cigarro. “Esta é uma ciência em construção”, comenta o pneumologista Sérgio Ricardo Santos, coordenador do programa PrevFumo, do Ambulatório de Tabagismo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que oferece atendimento gratuito para fumantes (paga-se apenas os medicamentos). E 60% dos pacientes são do sexo feminino.
Depois de uma entrevista para saber o grau de dependência e perfil da pessoa, define-se o tratamento. Pode-se usar um remédio específico ou adesivos de reposição de nicotina. “No grupo, eles aprendem habilidades para parar de fumar. Também tiram dúvidas e trocam experiências”, esclarece o pneumologista. O PrevFumo atende de 600 a 800 pacientes por ano, e a taxa de sucesso é de 60%.
O coordenador salienta que um dos principais desafios para as mulheres pararem de fumar é vencer a depressão, mal que acomete 20% da população feminina. No programa, avalia-se a propensão a essa doença. “Muitas mulheres deprimidas fumam para tratar a depressão, porque a nicotina é um antidepressivo”, explica. “É um péssimo remédio, mas alivia os sintomas. Quando param de fumar, a depressão volta.” Por outro lado, há situações em que a depressão é desencadeada pelo tabagismo. “A nicotina causa um desequilíbrio de neurotransmissores, entre eles, a serotonina. Isso pode causar ou tratar a depressão, dependendo do caso.”
Por esse motivo, explica o médico, geralmente consegue-se maiores taxas de sucesso entre as mulheres quando se usa medicamentos com ação antidepressiva, como os que contêm bupropiona. O pneumologista acrescenta que a vareniclina – componente de um novo medicamento que age nos receptores de nicotina do cérebro e libera uma pequena quantidade de dopamina, que proporciona uma sensação de prazer – também tem alta de taxa de sucesso entre elas. “De maneira geral, o homem busca apenas prazer no cigarro. Já a mulher procura uma forma de enfrentar os problemas.”
Há, ainda, a questão da vaidade. Por um lado, o cigarro causa palidez, menor tonicidade cutânea, mau cheiro e dentes amarelados. Mas, por outro, pode acarretar ganho de peso quando há abandono do vício. “Geralmente, engorda-se em torno de 3 a 4 quilos, porque o corpo gasta muita energia para lutar contra o cigarro”, diz. “Mas quando se trata a dependência com acompanhamento médico, o ganho é de 1,5 a 2 quilos.”
MAIOR DESAFIO
A auxiliar administrativa Auricélia Silva Soares, de 36 anos, fumava há quase 30 anos – ultimamente, um maço e meio por dia. “Tenho depressão e, quando estava mal, chegava a dois maços.” Depois de inúmeras tentativas, conseguiu interromper o vício após participar de um grupo do PrevFumo, em outubro. Tomou bupropiona por três meses. De vez em quando, ainda tem um lapso e fuma um cigarro, mas apenas um. “Já estou me dando parabéns”, empolga-se. “O grupo foi importante para ver outras pessoas batalhando junto comigo.”
Já a podóloga e professora Sandra Magali Moraes, de 44 anos, que também participou do programa, abandonou completamente o cigarro. Costumava fumar um maço e meio por dia, mas passou a repensar os hábitos depois que sua mãe faleceu.”Vi coisas horríveis no hospital”, lembra. Usou apenas os adesivos de reposição de nicotina. Depois de uma semana, porém, teve uma recaída. “Percebi que a dependência é química, física e psicológica.”
Bastou uma bronca de uma ex-fumante para entender que faltava força de vontade. “Fiz, então, a matança do cigarro: escondi cinzeiros, joguei fora isqueiros, maços, etc. E coloquei os adesivos de novo.” A princípio, usou e abusou de balas diet. Ficou um pouco deprimida na primeira semana. Mas insistiu e, hoje, diz que nem se lembra do cigarro. “Sinto-me menos cansada, meu coração não dispara como antes. Também fiquei mais cheirosa.”
CORAÇÃO FORA DE COMPASSO
A cardiologista Jaqueline Scholz Issa trabalha há 15 anos com o combate ao cigarro. Criou o Ambulatório de Tratamento de Tabagismo do Instituto do Coração (Incor) em 1996, uma referência no setor. Desenvolveu um software que mede o grau de dependência e ajuda na escolha dos medicamentos para cada caso. Há dois tipos de atendimentos: gratuito, via Sistema Único de Saúde (SUS), para quem tem problemas cardíacos e por convênio, para todos. “O número de enfartes entre as mulheres está aumentando, em consequência da adoção de hábitos masculinos, como o tabagismo”, alerta.
Segundo a médica, hoje há um arsenal de medicamentos que podem ser combinados, o que amplia as chances de sucesso. Mas o segredo para vencer o vício é mudar o estilo de vida. “Isso também inclui exercício.”
Uma de suas pacientes é a dona de casa Leide Ferreira de Lima, de 45 anos, que fumava desde os 14 anos. Ela é portadora de miocardia aguda e já tinha tentado de tudo para deixar o cigarro – sprays, as piteiras anunciadas na televisão e até um creme dental. Nada deu certo. Seguindo o programa da médica, usou, a princípio, apenas adesivos de reposição de nicotina. Mas teve perda de concentração e uma insônia intensa. Foi indicado, então, o uso combinado de bupropiona, o que a acalmou. “Fiquei mais tranquila, mas, ainda assim, foi difícil parar. Exige força de vontade”, conta. “Agora sinto-me melhor e mais disposta. E consegui engordar, o que era impossível quando fumava.”
Já Edit Gonçalves, de 60 anos, que trabalha como contínuo no Incor, é cardíaca e aproveitou a conveniência de estar próxima do Instituto do Coração para seguir o programa. Começou usando o adesivo, mas não se sentiu bem. Desistiu e voltou a dar seus tragos. No ano passado, mudou de tratamento para a bupropiona. “O cigarro perde o gosto, fica ruim.” Mesmo assim, teve uma recaída durante as festas de fim de ano, quando parou de tomar o remédio. Agora, está determinada a fazer nova tentativa, com o mesmo medicamento. “A maior dificuldade é pensar em não ter o prazer do cigarro na mão, principalmente quando se toma café”, conta. “Mas vou conseguir desta vez.”