Arsenal fora do controle da polícia
Estudo inédito revela que 87% do armamento em circulação no Brasil está nas mãos da sociedade civil. Sete milhões de armas são ilegais
Gazeta do Povo - Diego Ribeiro
O Brasil tem 14 milhões de armas de fogo – legais e ilegais – nas mãos da sociedade civil. A constatação é do “Mapa do Tráfico Ilícito de Armas no Brasil e o Ranking dos Estados no Controle de Armas”, da ONG Viva Rio e do Ministério da Justiça, divulgado ontem, em Brasília. Esse arsenal equivale a 87% do armamento em circulação no país (16 milhões de unidades). O restante está sob responsabilidade do Estado.
Ainda segundo o levantamento, 48% das armas (7,6 milhões) são ilegais, o que evidencia o fracasso do sistema de controle de armas. “O que existe é um grande descontrole”, afirma o coordenador da pesquisa, Antônio Rangel Bandeira. Com base nesses dados, o Ministério da Justiça pretende lançar uma nova campanha de desarmamento. Durante o primeiro grande esforço nacional, nos primeiros anos da década, a população entregou cerca de meio milhão de armas. Na segunda etapa da campanha, o número caiu para 30,7 mil.
A pesquisa, uma das mais completas já feitas no país, derruba dois mitos. Primeiro a de que o maior problema do tráfico de armas está nas fronteiras do país. Na verdade, a nascente do descontrole está no mercado interno brasileiro. Cerca de 80% do armamento que circula no país é de fabricação nacional. No Paraná, por exemplo, 72% das armas apreendidas são brasileiras.
O segundo mito é a afirmação de que crimes são cometidos por armas ilegais. De acordo com Rangel, 30% do arsenal apreendido foi adquirido legalmente. “Se o mercado legal não for controlado não há como impedir que as armas entrem na clandestinidade”, afirma.
De acordo com o estudo, cerca de 80% das armas apreendidas pela polícia são revólveres ou pistolas. No Paraná, esse número chega a 64%. A descoberta de armamento militar, como os fuzis calibre 7.62 apreendidos em Fazenda Rio Grande, na região metropolitana de Curitiba, recentemente, não são comuns. O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul são os estados que mais apreendem armas de grosso calibre, com 3,4% e 3,9% das apreensões, respectivamente.
O subsecretário de Defesa dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro e especialista em segurança, Pedro Strozenberg, vê os resultados da pesquisa como uma derrota da segurança pública. “As pessoas entendem que, para se proteger, precisam estar armadas”, explica. Na avaliação dele, é preciso uma solução sem deixar espaços. “Tem que reduzir a oferta, tendo mais controle para venda, porte com muito mais rigor, reduzindo a demanda com campanhas de esclarecimento”, ressalta.
“Efeito bumerangue”
O pesquisador constatou 140 pontos de entradas de armas nas fronteiras secas brasileiras. “O Paraná é muito importante nessa história toda”, conta. Ele esteve no Paraguai, onde constatou a revenda fácil das armas exportadas pelo Brasil. “É o efeito bumerangue”. Enquanto o Brasil exporta para o Paraguai, os paraguaios reenviam ilegalmente para cá. Embora seja necessária a fiscalização rigorosa das fronteiras, ele acredita que o problema deve ser solucionado dentro do país. “Se as armas fossem controladas internamente, seria mais barato e viável”.
Segundo Rangel, o Brasil precisa ficar mais atento ao transporte e ao depósito de armas. Há duas semanas, uma reportagem da Gazeta do Povo denunciou a fragilidade do armazenamento de armas nos fóruns do Paraná. São 55 mil armas sob custódia da Justiça paranaense, cuja segurança é precária.
A pesquisa analisou cerca de 288 mil armas apreendidas no país. As informações utilizadas foram apuradas até setembro deste ano com base em dados de governos estaduais e da União.
Revenda sem fiscalização
A burocracia obrigatória e necessária para obter o porte de armas regularmente é dispensada quando o assunto é a revenda na informalidade. O motivo é a pouca fiscalização. Algumas pessoas que conseguem a regularização acabam repassando as armas de forma irregular, de acordo com especialistas.
Nem todas as armas ilegais estão nas mãos dos bandidos. Diante disso, o diretor científico do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud) Nacional de Segurança Pública, Guaracy Mingardi, defende uma política mais efetiva de fiscalização das pessoas que revendem armas. “Se eu tiver uma arma legal hoje e quiser vender, a arma só vai ser descoberta se for apreendida ou usada de forma errada”, argumenta.
Os policiais podem, atualmente, comprar três armas pessoais. O que eles fazem com as armas é extremamente importante para estabelecer o controle também. “Saber se o policial está na ativa ou não também é fundamental”, afirma a coordenadora da área de controle de armas do Instituto Sou da Paz, Alice Ribeiro. Pela lei é necessário informar a revenda da arma e o comprador tem de preencher todos os requisitos necessários também. No entanto, não é raro a revenda ocorrer, conforme Mingardi e Alice.
Segundo Alice, a maioria dos homicídios no Brasil acontece por motivos banais. “Só na cidade de São Paulo, 75% dos homicídios ocorrem em situação corriqueira como discussões, brigas”, ressalta. Na opinião da especialista, o número justifica uma campanha mais intensa de orientação. “Menos arma significa menos morte”, ressalta.