22 de novembro de 2024

Internação compulsória: o melhor caminho para tratar dependentes químicos?

26 de fevereiro de 201311min59
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valdircamposSaúde mental
Escrito por Dr. Valdir Ribeiro Campos
ssa política de internação que está sendo implantada em São Paulo e pode ir para outras capitais, como Salvador, é a melhor forma de lidar com esse problema de saúde pública? Não seria mais sensato pensar em outras alternativas a longo prazo?
No caso da dependência de drogas, como o crack, e o estágio da doença, não se pode esperar muito.

No contexto de compreensão do mecanismo da doença, um dos aspectos mais importantes é o dos pacientes protelarem suas decisões em função do efeito das drogas no seu cérebro, gerando uma deterioração rápida e progressiva com complicações que podem tornar mais difícil o processo de recuperação. Não podemos ser coniventes com os pacientes em relação a esse aspecto de sua doença.
No caso do crack, que talvez hoje seja uma das drogas de mais difícil tratamento, por que ele tem um poder tão devastador? Por que é tão difícil tratá-lo?
O crack é a cocaína fumada e age no cérebro após cinco segundos; o efeito da droga também é rápido, durando em torno de cinco minutos. Toda droga que tem estas características de ação e efeito rápido tem maior potencial de causar dependência mais rápida e grave. Assim, ao usar a droga, o cérebro da pessoa é alterado e ela tem a necessidade de usar a droga em doses cada vez maiores e dificuldade em interromper o uso. Juntamente com este processo biológico, vai ocorrendo uma deterioração do comportamento do indivíduo no plano individual (psicológico), no relacionamento com as pessoas e o mundo, gerando abandono escolar, perda de emprego, dificuldades financeiras, envolvimento com o narcotráfico e o crime. Vários fatores são dificultadores para o tratamento de dependentes de crack, dentre eles os relacionados ao poder da droga de causar dependência, presença de outras doenças mentais como depressão, psicose, aceitação cultural e crenças individuais a respeito do consumo de drogas, disponibilidade e, principalmente, a ausência ou fragilidade de uma rede multiprofissional especializada e articulada para o tratamento e reinserção social do dependente de crack e outras drogas.
Em janeiro, começou em São Paulo o programa estadual de internação compulsória de dependentes químicos, especialmente os viciados em crack. Essa medida pode ser de alguma forma eficaz para o tratamento desses dependentes?
O tratamento  do dependente químico de um modo geral necessita de uma rede articulada de atendimento que vai desde o tratamento em nível primário de atendimento em saúde  (Unidades Comunitárias de Álcool e Drogas, Estratégia de Saúde da Família – ESF, ambulatório especializado), em centros de atenção psicossocial, moradia assistida, até a internação hospitalar ou em clínicas de recuperação. Nem todos os dependentes de crack necessitam ser internados. A internação é apenas uma fase do tratamento que isoladamente produz resultados de curto prazo. Entretanto, em casos em que o indivíduo já perdeu a capacidade de decidir por si e/ou oferece risco para si e outros, é necessária a internação compulsória. O mais importante é que após a internação os pacientes tenham continuidade do tratamento dentro de uma rede multiprofissional especializada e articulada em tratar dependente químico (em particular dependentes de crack), algo que ainda está distante da realidade de muitas cidades do país e da política nacional para as drogas.
A medida não pode ser vista como uma forma de “higienização social” da região da Cracolândia, onde fica localizada grande parte desses dependentes na cidade de São Paulo?
A área da dependência química é complexa e permeada por mitos, estigmas, preconceitos e ideologias. Assim como em São Paulo, inúmeras “cracrolândias” estão espalhadas pelo país aguardando alguma iniciativa ou política de assistência aos dependentes. É necessário que usuários, familiares, profissionais e planejadores possam se articular em busca da melhor assistência e tratamento. Estamos diante de um desafio em saúde pública que necessita de técnicos qualificados e de uma rede multiprofissional especializada e articulada para o tratamento e reinserção social dessas pessoas.
Essa política de internação que está sendo implantada em São Paulo e pode ir para outras capitais, como Salvador, é a melhor forma de lidar com esse problema de saúde pública? Não seria mais sensato pensar em outras alternativas a longo prazo?
No caso da dependência de drogas, como o crack, e o estágio da doença, não se pode esperar muito. No contexto de compreensão do mecanismo da doença, um dos aspectos mais importantes é o dos pacientes protelarem suas decisões em função do efeito das drogas no seu cérebro, gerando uma deterioração rápida e progressiva com complicações que podem tornar mais difícil o processo de recuperação. Não podemos ser coniventes com os pacientes em relação a esse aspecto de sua doença.
No caso do crack, que talvez hoje seja uma das drogas de mais difícil tratamento, por que ele tem um poder tão devastador? Por que é tão difícil tratá-lo?
O crack é a cocaína fumada e age no cérebro após cinco segundos; o efeito da droga também é rápido, durando em torno de cinco minutos. Toda droga que tem estas características de ação e efeito rápido tem maior potencial de causar dependência mais rápida e grave. Assim, ao usar a droga, o cérebro da pessoa é alterado e ela tem a necessidade de usar a droga em doses cada vez maiores e dificuldade em interromper o uso. Juntamente com este processo biológico, vai ocorrendo uma deterioração do comportamento do indivíduo no plano individual (psicológico), no relacionamento com as pessoas e o mundo, gerando abandono escolar, perda de emprego, dificuldades financeiras, envolvimento com o narcotráfico e o crime. Vários fatores são dificultadores para o tratamento de dependentes de crack, dentre eles os relacionados ao poder da droga de causar dependência, presença de outras doenças mentais como depressão, psicose, aceitação cultural e crenças individuais a respeito do consumo de drogas, disponibilidade e, principalmente, a ausência ou fragilidade de uma rede multiprofissional especializada e articulada para o tratamento e reinserção social do dependente de crack e outras drogas.
Valdir Ribeiro Campos, graduado em Medicina pela Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória – ES em 1992 – CRMMG: 25.974. Residência médica em psiquiatria pelo Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais – IPSEMG. Título de Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP. Especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Fundou e coordenou o serviço de dependência química do IPSEMG no período de 2002 a 2008. Foi membro da Comissão Municipal de Políticas para Álcool e Drogas – COMAD e colaborou tecnicamente no período de 2007 a 2010 para a criação do primeiro CERSAM-Álcool e Drogas do município de Belo Horizonte – MG. Doutor pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Fundou em 2010 o ambulatório de dependência química da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – onde é preceptor de residência médica em psiquiatria. Membro da comissão de controle do tabagismo, alcoolismo e outras drogas da Associação Médica de Minas Gerais – Contad-AMMG.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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