Mães usuárias de crack se tornam um novo problema de saúde pública no Brasil
As mães do crack são um novo problema de saúde pública no Brasil. O doutor Dráuzio Varella mostrou a vida de jovens dependentes que engravidam e, mesmo assim, continuam se drogando. Como ajudar essas mulheres? Que tipo de vida espera esses bebês?
Samara tem 21 anos e não é uma gestante qualquer. Ela usou crack durante as 20 primeiras semanas de gestação, desde a fase mais inicial da formação do feto.
Letícia, de 18 anos, acabou de ter seu primeiro filho. E ainda na mesa do parto precisa dar uma informação que pode fazer toda a diferença para a vida dela e da criança: ela fumava maconha, crack e usava cocaína.
A produtora do Fantástico conheceu Samara na clínica em que ela, já grávida, estava recebendo tratamento contra a dependência do crack. “Agora, vai fazer quatro meses que estou aqui. Se eu não tomar vergonha na cara… Eu quero parar de usar”, diz Samara.
Samara perdeu provisoriamente a guarda da primeira filha. Por causa do crack, ela tem medo que o mesmo aconteça com o bebê que vai nascer. “Eu tenho medo de não conseguir, mas eu vou conseguir”, acredita.
As histórias das mães do crack se repetem. “Uma vez que eu cheguei a fumar com o meu pai 60 pedras de crack”, contou uma menor de idade.
“Eu não conheci a minha mãe verdadeira. Não sei muito os motivos dela, mas ela não teve condições de me criar”, diz Fabíola Fernandes da Silva, de 23 anos.
“Fui para São José do Rio Pardo, com uma colega minha, fazer programa. Aí passou um tempo, e outra colega minha ofereceu crack para mim. Foi quando eu comecei a viciar. Passei a fazer mais programa para usar o crack”, conta Samara.
“Apanhei demais, porque as mulheres mais velhas me exploravam muito. Eu tinha que me prostituir para poder pegar dinheiro e pegar a droga para elas”, conta Fabíola.
“Eu tinha vergonha até de chegar perto da minha filha. Estava muito magra, muito acabada”, contou Sirlene Rodrigues, de 28 anos.
A combinação de desamparo, dependência química e violência leva facilmente à gravidez acontecimento que não muda o rumo desta história triste.
“O que caracteriza a dependência é a incapacidade de ter um controle. Então, é como se ela ficasse à mercê de uma força maior do que a própria vontade dela. É um sofrimento muito grande. Não são mães desnaturadas, não são mães que não se preocupam com isso, mas são mães que estão em um nível de sofrimento impensável e que não conseguem sair disso. É por isso que a gente precisa ajudar essas mães e não condená-las”, explica Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra da Unifesp.
“Nós temos casos muito tristes de moças que vão para o hospital sem saberem que estão dando à luz”, diz Dora Martins, juíza da Vara Central da Infância de SP.
“Usei crack até eu ganhar neném. No dia em que ele nasceu, eu estaca bem louca de droga”, conta Fabíola.
O obstetra Tenilson Amaral Oliveira conta que essas pacientes muitas vezes chegam com hipertensão, com arritmias e taquicardias. “Para o feto existem complicações específicas, como descolamento prematuro de placenta, o retardo de crescimento intra-uterino; o peso de nascimento das crianças é menor”, explica.
É ridículo imaginarmos que as adolescentes das cracolândias tenham discernimento para procurar os serviços de saúde atrás dos anticoncepcionais. É o anticoncepcional que tem que chegar até elas. Existem injeções de efeito prolongado que são ideais para essas situações.
O psiquiatra Ronaldo Laranjeiras, da Unifesp, vê esses atendimentos como uma grande prioridade. “Para uma menina chegar a estar grávida e continuar usando crack é porque que ela tem uma vulnerabilidade muito grande. Então, você tem que criar um tratamento muito mais estruturado, tem que oferecer um ambiente onde ela fique protegida. E depois do parto ela tem que ter uma continuidade no sentido de protegê-la socialmente”, afirma.
A Samara, Fabíola e uma das menores de idade que você conheceu nesta reportagem ficaram internadas no interior de São Paulo, no Instituto Bairral.