Os desafios para o tratamento do usuário de crack
*Por Adriana Moraes
Quando falávamos em crack, droga estimulante do sistema nervoso central pensávamos em destruição, cracolândia, abandono. Atualmente ao pensarmos nesta substância psicoativa, a cracolândia continua presente, mas lá também estão os conselheiros de rua e pensamos em saúde, ajuda ao dependente, acesso ao tratamento. Hoje temos diversos profissionais capacitados, inúmeros psiquiatras trabalhando na área da dependência química, entre esses, destaco o trabalho realizado pelo Dr. Marcelo Ribeiro de Araújo.
Psiquiatra respeitado no meio científico e acadêmico, Dr. Marcelo Ribeiro é um exemplo de médico dedicado. Há anos pesquisa o crack e ao lado do renomado psiquiatra Dr. Ronaldo Laranjeira, publicou o livro “O Tratamento do Usuário de Crack”, uma obra que se tornou referência no assunto.
Ribeiro desde 2001 é Diretor de Ensino da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas), professor afiliado da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), ao longo de sua trajetória profissional formou centenas de alunos e se tornou modelo para muitos. Esse mês de setembro completa três anos na Direção Técnica do CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, com o apoio de gestão da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina).
O CRATOD é um Centro de Referência, para a definição de políticas públicas para promoção de saúde, prevenção e tratamento dos transtornos decorrentes do uso indevido de substâncias psicoativas, dispondo de CAPS AD III (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) para atendimento aos usuários dependentes e suas famílias, bem como o responsável pela organização, capacitação e manutenção das Redes de Tratamento do Tabagismo e Rede Recomeço no estado de São Paulo. [1]
A unidade foi criada através do Decreto nº 46.860, de 25 de junho de 2002, com as seguintes finalidades:
I – constituir-se em referência para a definição de políticas públicas para promoção de saúde, prevenção e tratamento dos transtornos decorrentes do uso indevido de álcool, tabaco e outras drogas;
II – desenvolver conhecimento e tecnologia voltados ao enfrentamento:
a) dos problemas causados à saúde, relacionados ao uso indevido de álcool, tabaco e outras drogas;
b) de outros transtornos compulsivos, dentre os quais os alimentares e sexuais;
c) de outros transtornos causados por álcool, tabaco e outras drogas no período da adolescência;
III – prestar assistência médica intensiva e não intensiva a pacientes com transtornos decorrentes de álcool, tabaco e outras drogas, nas diversas faixas etárias, incluindo o período de adolescência;
IV – elaborar, promover e coordenar programas, cursos, projetos de capacitação, treinamento ou aperfeiçoamento de recursos humanos, em consonância com a especificidade do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas;
V – contribuir para formação e desenvolvimento de recursos humanos especializados;
VI – desenvolver programas especiais de educação preventiva e promover campanhas educativas e de informação à população;
VII – orientar as organizações de apoio, quanto aos aspectos assistenciais e psicossociais;
VIII – atuar de forma articulada e integrada com as demais unidades pertencentes ao Sistema Único de Saúde – SUS, bem como com entidades públicas e privadas;
IX – desenvolver e avaliar processos de investigação e pesquisa científica e criar mecanismos para a sua divulgação;
X – propor e executar as ações de vigilância epidemiológica;
XI – estabelecer parcerias com universidades para consolidação e validação de tecnologia e com organizações nacionais e internacionais para intercâmbio de experiências;
XII – proporcionar campo de treinamento e estágio adequado nos programas de prevenção e controle de álcool, tabaco e outras drogas.
Crack
O crack é uma preparação de cocaína consumida pela via pulmonar. Os alvéolos proporcionam aos pulmões uma extensa superfície de troca com o sangue. Dessa forma, uma quantidade considerável de cocaína consegue atingir a circulação prontamente, chegando ao cérebro em poucos segundos, sem passar antes pelo fígado. [2]
O pulmão é o principal órgão exposto aos produtos da queima do crack. A utilização da droga produz uma euforia de grande magnitude e de curta duração, seguida de intensa fissura e desejo de repetir a dose. Fumar o crack é a via mais rápida de fazer que a droga chegue ao cérebro e provavelmente esta é a razão para rápida progressão para a dependência.
Muitos dependentes de crack passam a noite ou mesmo dias seguidos consumindo a droga até a completa exaustão, sem dormir e sem se alimentar minimamente. Isso implica obviamente uma grande vulnerabilidade a doenças clínicas, desnutrição e, pela necessidade de manutenção da autoadministração, comportamentos impulsivos, violentas, e promiscuidade no sentido de obtenção da droga ou dinheiro para a droga. [3]
O prazer gerado pela droga no cérebro faz o dependente fumar até a exaustão, sem se preocupar com os riscos. Os prejuízos cognitivos do uso crônico do crack contribuem para o isolamento do indivíduo e a baixa adesão ao tratamento. Usuários de crack tendem a apresentar mais comorbidades e maior risco de suicídio. [4]
Desafios/Tratamentos
A complexidade no diagnóstico de problemas relacionados ao consumo de substâncias psicoativas gera inúmeras possibilidades de erro, desde a elucidação do problema até sua resolução e, por fim, seu prognóstico. O profissional de saúde que trabalha com essa especialidade precisa estar familiarizado com os sistemas diagnósticos para não minimizar quadros de maior gravidade ou para não cometer o oposto, isto é, dar importância exagerada a situações em que o quadro de dependência ainda não está instalado. [4]
Muitos são os desafios para a realização do tratamento do dependente de crack. O processo de avaliação do usuário de crack é fundamental para elaborar o plano de cuidados. Num capítulo específico Ribeiro e Laranjeira discorreram sobre áreas de avaliação: [2]
Avaliação de risco: Avalia a existência de problemas agudos relacionados ao uso de substâncias. Principais riscos:
Risco de autoagressão – suicídio, automutilações, manejo de parafernália de uso;
Risco associado ao uso de drogas – overdose, ambientes de consumo violento;
Risco de causar dano a terceiros – ameaças à equipe, a crianças, violência domésticas, condução de veículos;
Risco de autonegligenciamento – problemas físicos decorrentes do uso, sexo em troca de crack.
Avaliação clínica do consumo de crack e dos critérios de gravidade: avalia se há presença de pelo menos 03 dos 07 critérios para dependência ou de outros transtornos, como uso nocivo.
1 – Compulsão para o consumo;
2 – Aumento da tolerância;
3 – Síndrome de abstinência;
4 – Alívio ou evitação da abstinência pelo aumento do consumo;
5 – Relevância do consumo;
6 – Estreitamento ou empobrecimento do repertório;
7 – Reinstalação da síndrome de dependência.
Avaliação motivacional: avalia o estágio motivacional do paciente para a mudança e suas expectativas em relação ao tratamento, visando a escolha da melhor abordagem, que respeite a prontidão do paciente para entrar, aderir e mudar a partir da proposta terapêutica.
Avaliação dos fatores de proteção e de riscos: avalia as vulnerabilidades e os recursos pessoais e sociais dos quais o paciente dispõe, visando a elaboração da melhor rede de apoio possível.
Avaliação psiquiátrica: avalia a presença de transtornos mentais associados à necessidade de medicação específica para dependência química.
Avaliação clínica geral: avalia tanto a presença de complicações físicas decorrentes do período de consumo quando aquelas que já existiam e foram identificados pelo uso (exemplo: hipertensão arterial).
Avaliação neuropsicológica: avalia a presença de alterações cognitivas. Não é uma avaliação obrigatória, mas todo profissional deve considerar a presença de alterações cognitivas entre usuários de crack.
Dr. Marcelo Ribeiro, receba nossos cumprimentos por toda sua dedicação ao trabalho!
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
Referências:
[2] O tratamento do usuário de crack – Marcelo Ribeiro, Ronaldo Laranjeira (Orgs) 2ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2012.
[3] Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas / Alessandra Diehl – Daniel Cruz Cordeiro – Ronaldo Laranjeira – Porto Alegre: Artmed, 2011.
[4] O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo-comportamentais: um guia para terapeutas/ Organizadores, Neide A. Zanelatto, Ronaldo Laranjeira – Porto Alegre: Artmed, 2013.