Dependências: Ciúme Patológico e o Alcoolismo
*Por Adriana Moraes
(imagem reprodução)
Caros leitores, o que o ciúme doentio e o alcoolismo têm em comum? As duas patologias levam a dependência e o sofrimento. No ciúme patológico a dependência afetiva e no alcoolismo a dependência química, ambos trazem muito sofrimento.
O ciúme torna-se doentio quando quem o sente passa a ver tudo em todos uma ameaça ao relacionamento, perdendo a noção da realidade e tirando a liberdade do outro, apresentando sentimentos de inferioridade, insegurança, possessividade.
Em sua ampla e profunda complexidade o ciúme tem em sua formulação uma alta dose de medo. Entre esses, medo da perda, da traição, da competição, do outro, de si mesmo. [1]
Alguns especialistas acreditam que o ciúme que atormenta os adultos tem raízes na infância. Desde o início da vida psíquica, a pessoa sente necessidade de ser reconhecido, receber atenção, sentir-se incluído e amado.
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Para entender o que ocorre na mente do ciumento, é necessário compreender o que aconteceu no seu passado, uma busca a procura de detalhes que ficaram na memória inconsciente e que hoje se apresentam de uma forma distorcida. O ciumento expressa o desejo de controlar e possuir unicamente para si a pessoa que se quer bem. Nasce uma demanda de exclusividade do desejo de ser tudo para alguém, da situação de não suportar dividir a atenção da pessoa amada com mais ninguém.
Quando uma pessoa aceita o sentimento de ódio, inerente ao ciúme, podemos dizer que está doente. Afinal, está vivendo para alimentar fantasias de vingança, aceitando trocar chumbo, desprezando pessoas, atropelando o sentimento dos outros, desconfiando de quem nunca deu motivos e, principalmente, cultivando estes sentimentos e comportamentos mesmo quando não está com ninguém. [2]
Ciúme doentio no local de trabalho
Muitas vezes a pessoa que sofre com o ciúme excessivo, parece normal, mas está distante da realidade em que vive e perdeu o autocontrole de suas emoções. Se seu gestor dá uma atenção ou mesmo parabeniza sua colega de trabalho, a pessoa ciumenta sofre com isso. Gostaria de ser a única parabenizada e sente raiva da outra e acredita que consumindo álcool irá aliviar um pouco do seu martírio.
Em sua imaginação a amiga se transformou em sua rival e sente vontade de prejudicá-la. Acredita que seu chefe gosta mais de sua amiga e que até tenham um relacionamento fora do local de trabalho, é tanto sofrimento e uma busca intensa por provas, que ela vai se sentindo cada vez mais angustiada. Passa horas investigando a vida dos dois, em busca de evidências ou mesmo pistas que confirmem o suposto caso. A pessoa ciumenta não suporta a satisfação do outro, sente-se a todo instante rejeitada.
O ciumento distorce tanto a realidade, confia tanto em suas fantasias, que acaba criando uma série de comportamentos que comprovem, dia a dia, para ele mesmo, a teoria de que está sendo jogado para fora do relacionamento. [2]
O que mata o ciumento é a dúvida. Ele vive atrás de detalhes, um simples vestido novo de sua amiga, já é um gatilho para o seu ciúme, imagina que irão sair no final do turno, ou que sua rival irá receber elogios. Seu dia se torna um tormento, a angustia e o copo de álcool, são suas companhias, tudo isso atrapalha seu comprometimento com o trabalho. Como se concentrar, se passa o tempo investigando a vida dos dois?
O ciumento sempre desconfia da outra pessoa. Por isso jamais acredita nela, mesmo que esta consiga provar que suas suspeitas são fantasiosas e infundadas. [1]
Faz questão de dizer a todos que ama seu gestor, mas não percebe que o sufoca e não compreende que ele é apenas seu chefe e devido seu problema com o alcoolismo, poderá afastá-la para se tratar (um direito do trabalhador segurado pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social), colocando outra (o) profissional em seu lugar até estar em condições de retornar ao trabalhar.
Na matéria do site Agência Brasil, “Alcoolismo é a principal causa de afastamento por transtorno mental” o texto revelou que onúmero de pessoas que precisaram parar de trabalhar e pediram o auxílio devido ao consumo excessivo do álcool teve um aumento de 19% nos últimos quatro anos, ao passar de 12.055, em 2009, para 14.420, em 2013. A matéria informou ainda que a cidade de São Paulo obteve o maior número de pedidos em 2013 por consumo abusivo do álcool, com 4.375 auxílios-doença concedidos, seguido de Minas Gerais, com 2.333. [3]
Síndrome de Dependência de Álcool
A síndrome de dependência de álcool (SDA) é uma condição clínica caracterizada por sinais e sintomas comportamentais, fisiológicos e cognitivos na qual o uso de álcool alcança uma grande prioridade na vida do indivíduo, tendo as demais atividades um plano secundário.
O álcool é uma droga lícita (permita por lei, comercializada de forma legal, exceto para os menores de 18 anos). A dependência do álcool está inserida na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), item F 10 (Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool) no grupo de transtornos decorrentes do uso de substância psicoativa.
O consumo de álcool induz tolerância (necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para produzir o mesmo efeito desejado) e síndrome de abstinência (sintomas desagradáveis que ocorrem com a redução ou com a interrupção do uso da substância). [4]
Mulheres e o consumo de álcool
O consumo de substâncias psicoativas entre mulheres é um problema crescente na área da saúde pública. Nas ultimas décadas, as taxas de prevalência de consumo de álcool, tabaco e outras drogas têm aumentado de forma considerável nesse grupo. [5]
**Dr. Claudio Jerônimo da Silva, psiquiatra da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), nos explicou que:
“As mulheres ficam mais suscetíveis aos efeitos do álcool exatamente porque, fisiologicamente, têm mais gordura retida no organismo, o que acaba por repelir a absorção do álcool pelas células, fazendo com que ele permaneça por mais tempo na corrente sanguínea, o que chamamos de biodisponibilidade do álcool. Isso faz com que seus órgãos passem mais tempo expostos aos seus efeitos nocivos, principalmente os mais sensíveis, como cérebro, fígado e coração, por exemplo”. [6]
Dr. Claudio Jerônimo, explicou com riqueza de detalhes:
O que acontece quando ingerimos álcool?
[6] Infográfico site da SPDM:
Possíveis efeitos do álcool de acordo com os níveis da substância no sangue:
Baixo
– Desinibição do comportamento;
– Diminuição da crítica;
– Hilaridade e labilidade afetiva (a pessoa ri ou chora por motivos pouco significativos);
– Certo grau de ataxia (perda ou irregularidade da coordenação muscular);
– Prejuízo de funções sensoriais.
Médio
– Maior ataxia;
– Fala pastosa, dificuldades de marcha e aumento importante do tempo de resposta (reflexos mais lentos);
– Aumento da sonolência, com prejuízos das capacidades de raciocínio e concentração;
Alto
– Náuseas e vômitos;
– Visão dupla (diplopia);
– Acentuação da ataxia e da sonolência (até a coma);
– Hipotermia (diminuição excessiva da temperatura normal do corpo) e morte por parada respiratória.
Pesquisas II LENAD e Universidade de Houston
Pesquisa realizada pelo II Lenad (Levantamento Nacional de Álcool e Drogas) entrevistou 4.607 pessoas em 149 municípios em todas as regiões do país. O estudo mostrou o aumento do consumo abusivo de álcool entre as mulheres, especialmente entre as mais jovens. [7]
O levantamento também revelou:
– 8% dos entrevistados admitem que o uso de álcool já teve efeito prejudicial no seu trabalho;
– 4.9% dos bebedores já perderam o emprego devido ao consumo de álcool;
– 9% admitem que o uso de álcool já teve efeito prejudicial na sua família e relacionamento.
O ciúme patológico pode coexistir com qualquer diagnóstico psiquiátrico. No entanto nos últimos anos tem havido crescente interesse nos aspectos forenses dessa patologia ligados ao uso, abuso e dependência de álcool, uma vez que muitos deles resultam em violência grave. Em pacientes dependentes de álcool, a prevalência do ciúme patológico pode estar em cerca de 27 a 34%. [5]
Um estudo realizado nos Estados Unidos, pela Universidade de Houston, mostrou que pessoas ciumentas tendem a abusar de bebidas alcoólicas com mais facilidade. De acordo com os pesquisadores, pessoas dependentes de um relacionamento amoroso e que imaginam serem vítimas de traição apresentam maior risco de recorrer ao álcool como forma de aliviar seus problemas. [8]
Foram entrevistadas 277 pessoas, sendo 87% mulheres. Os resultados mostraram que as pessoas que dependem de um relacionamento para a autoestima, tendem a beber por causa do ciúme que sentem.
Vimos nesse texto que o ciúme patológico é uma perturbação total, um transtorno afetivo gravíssimo, que pode levar a outro problema grave, o alcoolismo. Finalizo, alertando que é consenso entre os especialistas que não existe consumo de álcool isento de riscos.
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
** Dr. Claudio Jerônimo da Silva – Psiquiatra da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Diretor da Unidade Recomeço Helvétia, Diretor da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
Referências:
[1] Ciúme: o medo da perda. Eduardo Ferreira Santos. São Paulo: Claridade, 2003.
[2] Ciúme: entre o amor e a loucura. Wimer Bottura Júnior. São Paulo: República Literária, 2003.
[4] Integração de competências no desempenho da atividade judiciária com usuários e dependentes de drogas / organização de Paulina do Carmo A. Vieira e Arthur Guerra de Andrade. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 2015.
[5] Dependência Química: prevenção, tratamento e políticas públicas / Alessandra Diehl – Daniel Cruz Cordeiro – Ronaldo Laranjeira – Porto Alegre: Artmed, 2011.
[6] Infográfico SPDM: https://www.spdm.org.br/saude/noticias/item/2266-o-que-acontece-no-seu-corpo-quando-voce-ingere-bebida-alcoolica?
[7] http://inpad.org.br/lenad/resultados/alcool/resultados-preliminares/