Entrevista com o psiquiatra Carlos Salgado
Qual a importância da psiquiatria na atualidade?
A epidemiologia tem registrado frequências elevadas para quadros de ansiedade, depressão e dependência química. O impacto dessas condições psiquiátricas, apenas tomadas como exemplos, já explica a relevância da psiquiatria como especialidade médica. Ademais, a crescente precisão diagnóstica e terapêutica também contribui para a respeitabilidade da especialidade.
O que levou ao fechamento de hospitais psiquiátricos?
São vários os fatores que contribuíram para o fechamento de leitos hospitalares. Nem todos são, em si, de origem danosa. A disponibilidade de recursos terapêuticos efetivos enviou de volta à comunidade muitos pacientes até então crônicos, em condição de abrigamento permanente. Por outro lado, o preconceito para com a doença e o doente mental ainda leva autoridades a tentar negar a relevância da doença mental, banalizando seu diagnóstico e desconsiderando a incapacitação dela decorrente. Ademais, a disputa pelo domínio da Psicopatologia como área de atuação clínica produziu distorções grosseiras na atitude de profissionais não médicos. Desmedicalizar a prática clínica tem afastado o médico psiquiatra de seu paciente potencial. Assim, juntando apenas algumas variáveis, temos uma potencial explicação para o fechamento de leitos psiquiátricos. Seria importante acrescentar que, de fato, como em qualquer área médica, sempre houve instituições de baixa qualidade. Contudo, em lugar de aprimorar a atenção dispensada, as autoridades, baseadas em leitura equivocada da Lei Federal 10.216 de 2001, resolveram que a decisão de privilegiar a atenção ambulatorial seria melhor atingida fechando as internações.
Quais as consequências desse equívoco ao longo dos últimos anos?
O resultado foi a presença de doentes mentais desamparados pelas ruas, como indigentes, ou aprisionados em cárceres, o pior dos manicômios.
Qual a importância do hospital psiquiátrico?
O hospital psiquiátrico é serviço de nível terciário, especializado em esclarecimento diagnóstico, resolução de casos agudos e graves, além de abrigar pacientes sem estabilidade clínica que pudesse permitir o retorno ao ambiente familiar ou à comunidade. Em Neurologia também se dá algo semelhante. O hospital psiquiátrico faz parte da retaguarda clínica nos mesmos moldes que se dá em Cardiologia, respaldando os ambulatórios no intuito de compensar casos graves e complexos.
A quantidade de pessoas com transtorno mental tem aumentado nos serviços que o senhor atende?
Atuo em internação e ambulatório de alta complexidade e de cunho privado. A demanda para atenção ao dependente químico tem crescido. Com as medidas liberalizantes relativas à maconha, este quadro deve se agravar, ampliando o número de doentes mentais.
Qual a diferença entre hospital geral e hospital psiquiátrico?
O rigor médico esperado em ambos deve ser o mesmo. O preconceito faz com que, por exemplo, um caso de agitação motora em UTI pós-cirúrgica seja facilmente manejado, incluindo contenção química. Uma parada cardíaca é frequentemente revertida com eletroestimulação. Analogamente, infelizmente, quadros e procedimentos semelhantes em pacientes psiquiátricos ganham a hostilidade comum dirigida ao paciente psiquiátrico, quando se agita e tem de ser contido ou tem indicação de eletroconvulsoterapia. Um hospital psiquiátrico moderno conta com todos os recursos de um hospital geral.
Quais as suas expectativas frente à Nova Política de Saúde Mental e à Nova Política de Drogas?
Rompe-se com o preconceito e avança-se rumo à qualificação da atenção psiquiátrica, tanto em prevenção, quando em tratamento ambulatorial e em regime de internação. Combate-se o preconceito excludente.
O que o motiva trabalhar com este tema?
A relação continuada com a doença mental e os crescentes resultados positivos motivam o psiquiatra, como de resto, qualquer outro especialista, a fazer-se feliz em sua carreira profissional.
O que representa o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid) para seu trabalho?
Informação de boa qualidade, acessível a toda a comunidade, produz saúde.
Carlos Salgado é formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com residência em Psiquiatria pelo Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre. Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também é mestre em Psiquiatria pela UFRGS. É ainda conselheiro da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) e diretor técnico do centro de tratamento Villa Janus.
Fonte: Obid – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas