Venda de bebidas alcoólicas em estádios de futebol é gol contra
Por Mário Sérgio Sobrinho
O futebol é o esporte que mais encanta o povo brasileiro, tanto que é incomum alguém não ter um time da sua predileção. Assistir a jogos nos estádios é atividade de lazer muito desejada pelos adultos de todas as idades que pagam bom preço pelos ingressos e, muitas vezes, vão aos estádios acompanhados das crianças. Enquanto parcela significativa da população adora estar presente nesses eventos, pelo gosto e pela paixão ao esporte e aos times de futebol, as emissoras de TV brasileiras estimulam que as famílias frequentem os estádios, tanto que é comum durante as partidas de futebol televisionadas a exibição nos intervalos dos jogos de cenas mostrando crianças acompanhadas e se divertindo nas arenas esportivas.
É importante garantir a segurança e a tranquilidade de todos que frequentam esses espaços. Bem por isso, a legislação federal brasileira afirma que o torcedor tem direito a segurança plena nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas. Referida legislação, conhecida como Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003, alterada pela Lei 12.299/2010), aponta ser condição de acesso e permanência no recinto esportivo, entre outras medidas, que o torcedor não porte objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.
No dia 31 de agosto de 2007, o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) firmaram um protocolo de intenções buscando formular propostas para aperfeiçoar as medidas de combate à violência nos estádios de futebol. No dia 25 de abril do ano seguinte as mesmas partes assinaram um adendo ao documento para vedar o consumo e a venda de bebida alcoólica no interior dos estádios sede de eventos esportivos coordenados pela CBF, antes e durante as partidas. Ademais, para subsidiar esse adendo foram consideradas as diretrizes da Política Nacional sobre o Álcool, conforme previsão do Decreto Presidencial nº 6.117/2007. A positividade das medidas de proibição da venda de álcool em estádios de futebol de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais trouxe cristalino efeito da redução da violência e atos de vandalismo. A partir disso, no dia 29 de abril de 2008, a própria CBF baixou resolução da presidência tratando do assunto e prevendo aplicar a quem descumprir essa norma penalidades do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.
No Estado de São Paulo, conforme a Lei 9.470/1996, é proibida a venda, a distribuição ou a utilização de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, ginásios de esporte e demais estabelecimentos congêneres, enquanto nos dias de jogos essa proibição se estende a um raio de 200 metros de distância das entradas dos estádios de esporte. A lei paulista, anterior ao Estatuto do Torcedor, é franca exteriorização da necessidade da regulação dessa importante matéria.
Essa brevíssima análise mostra ser a bebida alcoólica substância cuja comercialização deve ser regulada e não deve ser vendida, distribuída ou consumida no interior dos estádios de futebol, por ser capaz de causar nesses locais, frequentado por milhares de pessoas, significativo rebaixamento dos níveis de segurança.
Entretanto, essa coerente interpretação está sendo desafiada por meio de propostas de criação de leis estaduais que alteram radicalmente esse bom entendimento e pretendem permitir vender álcool dentro dos estádios de futebol.
Recentemente, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul foi exemplar ao enfrentar essa questão, exercendo como Chefe do Executivo o poder de veto ao projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa gaúcha que previa a retomada da venda de bebida alcoólica nos estádios de futebol daquele Estado. Segundo a imprensa, depois de ouvir os argumentos dos órgãos estaduais da área da segurança pública e do Chefe do Ministério Público local, o governador do Rio Grande do Sul vetou referido diploma ao considerar o texto do Estatuto do Torcedor que proíbe vender álcool nos estádios e, também, ao avaliar a potencial necessidade de mobilizar maior efetivo policial para atender problemas na área da segurança pública, que certamente ocorreriam nos estádios se permitida a venda de bebida alcoólica, em evidente e muito razoável raciocínio acerca da legalidade, da necessidade e do custo-benefício desfavorável ao Estado no caso da sanção desse projeto de lei.
Além do argumento legal, prático e orçamentário, é preciso destacar outros pontos do Decreto 6.117/2007 que ajudam pensar no assunto. Ao dispor sobre a Política Nacional sobre o Álcool, referido decreto apresenta medidas claras, eficazes e factíveis para a redução do uso nocivo de álcool e sua associação com a violência e criminalidade, enquanto, também, propõe restrição espacial e temporal, dos pontos de venda e consumo de bebidas alcoólicas, observados os contextos de maior vulnerabilidade às situações de violência e danos sociais, como exatamente ocorre em estádios de futebol lotados. Diga-se, por oportuno, que o texto desse Decreto ajudou e deu embasamento lastreado em evidências científicas para que a CBF assumisse sua acertada posição ao restringir o álcool nos estádios de futebol.
Uma das disposições do anexo II do mencionado Decreto, no ponto que trata da redução da demanda de álcool por populações vulneráveis, propõe a intensificação da fiscalização das regras de alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente que proíbem a venda e o consumo de álcool por menores e, também, propõe a fiscalização e o incentivo à aplicação das medidas proibitivas sobre venda e consumo de bebidas alcoólicas nos campi universitários.
A lei nacional que protege a infância e a adolescência proíbe a venda de bebida alcoólica aos menores de 18 anos e pune o maior de idade que descumprir essa norma, enquanto a Política Nacional do Álcool orienta seguir essa vedação e, especificamente, recomenda proibir a venda e o consumo de bebida alcoólica no ambiente universitário porque a ciência demonstrou que o álcool é substância psicoativa que altera o desenvolvimento do cérebro humano que ocorre até, pelo menos, aproximadamente, 21 anos de idade, mas o legislador estadual deseja mudanças.
A tradição e o prognóstico recomendam manter proibida a venda de bebida alcoólica no interior dos estádios de futebol brasileiros, interpretação que deve ser preservada sem exceções para que o resultado do placar do jogo seja favorável à vida.
Entretanto, na contramão, algumas Assembleias Legislativas Estaduais e Deputados eleitos para a legislatura 2019/2023 podem fazer gol contra se aprovarem leis que, de qualquer modo, autorizem vender álcool nos estádios de futebol.
No Rio Grande do Sul a questão está sendo decidida em cobrança de pênaltis e a atuação segura do Governador daquele Estado está colocando para escanteio essa bola mal chutada ao gol da cidadania e direcionada contra todos que pretendem se divertir com segurança nos estádios, assistindo jogos de futebol em ambientes sem álcool.
Mário Sérgio Sobrinho é procurador de Justiça do MP-SP e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de junho de 2019, 8h00