“Usuários de drogas são ‘sequestrados’ por vício e tráfico”, diz secretário de Assistência Social de SP
R7
Para Filipe Sabará, políticas sociais na Cracolândia da gestão atual são inéditas
Na última quinta-feira (13), a Prefeitura de São Paulo abriu nas proximidades da praça Princesa Isabel, no centro da capital, o terceiro centro de atendimento emergencial a dependentes e moradores de rua da região da Cracolândia. Inaugurados após a megaoperação policial que desobstruiu a alameda Dino Bueno, onde até então se concentrava o fluxo de usuários, moradores de rua e traficantes, os centros, batizados de ‘Atende’ pela gestão Doria, tem recebido grande procura e boa avaliação de usuários em meio a críticas de outras ações da prefeitura na região.
Filipe Tomazelli Sabará, de 33 anos, assumiu a secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social em 17 de abril deste ano, após a saída polêmica de Soninha Francine (PPS). O empresário, recém filiado ao Partido Novo, diz não se incomodar com a comparação com o prefeito João Doria: “sou um mini Doria mais social” diz.
Sabará defende a internação compulsória em casos graves, a ação da Polícia Civil realizada no final de maio e as operações da GCM (Guarda Civil Metropolitana) na Cracolândia — estas últimas são criticadas por MP (Ministério Público) e Defensoria Pública após episódios de suspostas irregularidades em abordagens já que somente as polícias têm o poder para abordar, revistar e prender cidadãos.
O herdeiro do grupo empresarial Sabará — controlador de empresas de tratamento de águas, cosméticos, nutrição e saúde animal, e indústrias de alimentos e bebidas — e da Beraca, maior fornecedora de óleos amazônicos para a cosmética internacional, compara o vício nas drogas promovidos pelo tráfico a um sequestro. A reportagem do R7conversou com Filipe Sabará em seu gabinete sobre as ações da secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social na Cracolândia e em outras regiões da cidade.
Leia abaixo a entrevista.
R7: Como estão funcionando hoje os centros emergenciais de atendimento?
Filipe Sabará: No Atende tudo é descartável, higienizado, o kit de higiene pessoal. Isso faz parte de um serviço mais humanizado que a gente possa trazer para a questão. Ninguém tinha feito desse jeito até hoje, com banheiro, chuveiro de água quente, toalha, dormitório, ginástica, roda de conversa. Desde o início da Cracolândia, ninguém nunca ofereceu serviços tão qualificados quanto os que a gente está montando agora.
No Atende 1 [o primeiro a ser aberto, próximo à sede da GCM] nós temos 100 vagas de pernoite, e no Atende 2, aberto no dia 29 de junho, 140 vagas. Estamos servindo cerca de 500 refeições por dia no Atende 1, e no Atende 2, 400. O Atende 2 é colado no ‘fluxo’ atual. As equipes de serviço social fazem a abordagem ali e já encaminham. E a partir daí as pessoas que querem ser internadas a gente encaminha para a saúde, que fica ali do lado.
Isso não é semelhante ao que o DBA (De Braços Abertos; programa de redução de danos com usuários de crack criado na gestão Fernando Haddad) fazia, usando usuários na varreção de ruas?
Sabará — As pessoas contratadas para trabalhar através da porta de entrada pelo Atende possuem todos os direitos trabalhistas. No DBA, as pessoas ganhavam um valor para prestar serviços de limpeza na cidade. Não era um emprego e não havia fiscalização. No final, muitos vinham apenas retirar a ajuda financeira, nem trabalhavam mais. As pessoas empregadas nas unidades Atende são funcionários mesmo e poderiam estar lá ou em qualquer outra vaga do Programa Trabalho Novo. Mas claro que eles tem mais familiaridade com os usuários e por isso mais capacitados para essa função.
Qual é o custo dos centros hoje?
Sabará — O custo de implementação é zero, e o custo de manutenção é o custo tradicional de um serviço conveniado, como centro de acolhida ou núcleo de convivência. Mas 100% do investimento dos Atende foi doado pela iniciativa privada.
Qual foi a empresa doadora?
Sabará — Não tenho certeza, porque quem fez essa parte operacional foi a Secretaria de Investimento Social. Mas não custou nada, e a manutenção é feita como manda o Sistema Único de Assistência Social. [Segundo a secretaria, uma das empresas que doaram para a instalação dos Atende foi a a Dasa, do setor de medicina diagnóstica, dona dos laboratórios Delboni Auriemo, Lavoisier, Bronstein e Lâmina, entre outras marcas. As demais empresas não autorizaram a divulgação]
E qual é o custo médio desses serviços?
Sabará — Depende da tipificação, do número de vagas, a gente pode passar com mais detalhes. Mas, eles já faziam parte da própria política de assistência social. [Por meio de sua assessoria, a Secretaria afirma que o Atende 1 custa, mensalmente, R$ 286.235; o Atende 2, R$ 190.682, e o Atende 3, R$ 206.615]
Existe plano de levar esse serviço a outras áreas da cidade?
Sabará — O Redenção não termina na Luz, ele começa lá. Os próximos passos são fazer os mesmos atendimentos em outras regiões, mas não definimos cronograma para quais territórios vamos dar preferência nos próximos meses.
Nas últimas semanas, ações da GCM foram alvos de críticas de órgãos de controle. Há um choque entre assistência social e outras áreas da prefeitura?
Sabará — Acho que as outras áreas da prefeitura não atrapalham a assistência social. Pela primeira vez a gente tem visto um trabalho em conjunto na construção. O que a gente tem feito, e é muito proveitoso, são reuniões em conjunto com a SMSU (Secretaria Municipal de Segurança Urbana), com a GCM, para que tanto os guardas quanto os assistentes sociais possam trabalhar em conjunto. É uma cultura nova, a gente trouxe isso nessa gestão.
Existe uma linha de diferentes atuações: quando é para fazer limpeza, a assistente social entra, logo entra a zeladoria, e a GCM faz toda a segurança, tanto do usuário como do próprio profissional. Quando é uma ação policial de identificação e prisão de traficante, aí a GCM tem que entrar na frente porque é uma ação de prisão de um traficante. E nas últimas semanas muitos traficantes foram presos.
[O Defensor Público Carlos Weis afirma que A GCM está atuando com evidente desvio de finalidade, segundo o artigo 144, § 8º da Constituição]
Isso não é papel da polícia?
Sabará — Prefiro não opinar porque não sou especialista em segurança pública. Da nossa parte, a GCM tem feito um trabalho muito bom. Eu só tenho a elogiar o trabalho da GCM, e principalmente a abertura que eles têm dado para trabalhar em equipe com a assistência social. Segundo eles, antes não existia essa abertura.
Os policiais contam que na Cracolândia os traficantes estão dando pedras como amostra grátis, e aí a pessoa fica rodando no vício. Isso para mim é igual a um sequestro. Você tem um familiar sequestrado, e tem uma ação policial para libertá-lo do sequestrador, tem que acontecer! Como é que você sucumbe a uma situação tal que a assistência social e a saúde só podem entrar para fazer atendimento ao usuário de droga quando o crime permite?
Qual sua opinião sobre a internação compulsória?
Sabará — A minha posição é favorável em caso de necessidade extrema. Imagina um familiar seu que acaba sucumbindo ao crack, por diversos motivos, e começa a fumar de 1 a 50 pedras por dia. Aí você vai conversar com ele, que não te reconhece mais, não quer pensar em nada mais além de fumar a próxima pedra de crack. Você tenta levar um profissional e ele não escuta, não quer saber, e você sabe que o caminho ali é a morte. Você não partiria para opção de uma abordagem compulsória? Há casos de pessoas que estavam nessa situação, que depois que passam pelo tratamento dão o depoimento: “Se ninguém me tirasse dali sem meu consentimento eu jamais teria tomado a decisão de sair porque meu negócio era a pedra de crack”.
É polêmico, mas acho que falta muita humanidade nessa discussão. Falta as pessoas se colocarem no lugar dos usuários que estão sequestrados pela dependência química e pelo tráfico e também os familiares. Dos familiares que nós entrevistamos, 100% são a favor da internação compulsória para os filhos, irmãos, parentes, amigos deles.
Essa internação seria com pedido da família?
Sabará — Não necessariamente. Existe uma diferença entre a internação involuntária e a internação compulsória. A internação compulsória não precisa de autorização da família. A involuntária precisa. Eu entendo que tanto uma como a outra são necessárias em casos extremos, para salvar a vida da pessoa.
A prefeitura tem retirado barracas de moradores de rua?
Sabará — Não… a assistência social, não. Nosso foco não é esse, e a nossa intenção é sempre manter, em primeiro lugar, os itens de sobrevivência de cada indivíduo. Quando é necessária uma limpeza, existe pela portaria que a gente publicou — e eu fui um dos que deu anuência para essa portaria que regulamenta o decreto — a exigência de que haja uma abordagem; primeiro pela assistência social, depois da zeladoria urbana da Prefeitura Regional, com toda a proteção da GCM. Nunca esteve escrito no decreto que iriamos tirar os cobertores, quem viu isso foi a oposição. A portaria só regulamentou como prática o que o decreto já previa, que é garantir os itens de sobrevivência das pessoas sob proteção.
Mas o texto da portaria não se aproximou do decreto anterior sobre o tema [publicado pela gestão Haddad em 2016]?
Sabará — Não. O decreto anterior foi criado às pressas pelo Haddad para se defender daquela história dos cobertores, quando foi chamado de higienista, assassino de morador de rua. Na minha opinião, foi mal escrito e com uma série de dificuldades de interpretação. A portaria foi criada para que exista uma condição de garantia de direitos das pessoas em situação de rua sem prejudicar o resto da população que também tem todos os seus direitos a serem garantidos.
[Leia aqui o decreto 57.069, publicado em 2016, sua revisão, nº 57.581, publicada em 2017, e a portaria intersecretarial nº 1, publicada em 31 de maio de 2017]