Precisamos falar sobre suicídio: informação e empatia podem salvar vidas

13 de setembro de 201713min4
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Fonte: SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina)

Taxas entre os jovens aumentaram 33% nos últimos 10 anos. Suicídio é um problema de saúde pública

Segundo ranking divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2014, o Brasil é o oitavo país do mundo com o maior número de suicídios. Todos os dias, 30 brasileiros se suicidam (uma taxa maior do que a das vítimas de AIDS). No mundo há uma morte por suicídio a cada 40 segundos e há 25 vezes mais tentativas do que óbitos, ou seja, a cada 1,6 segundos uma pessoa tenta se suicidar no mundo.

Os números impressionam, principalmente porque durante muito tempo este foi um tema jogado para debaixo do tapete.

A psiquiatra Maria Fernanda Cecílio Janeiro Caliani, coordenadora da Psiquiatria do Hospital Geral de Pirajussara, explica que são vários os fatores que fazem com que falar sobre suicídio ainda seja um tabu. “Primeiro porque falar sobre morte já é algo difícil por expor nossos limites e fraquezas, segundo porque o próprio suicídio agride várias crenças religiosas e, em terceiro lugar, ele pode causar um desconforto muito grande porque muitas pessoas, diante da incompreensão dos fatos que levaram a pessoa a cometer tal ato, podem identificá-la como covarde ou fracassado”.

Existe também um mito de que ao falar sobre suicídio incentivamos o ato. É importante frisar que não existe nenhum estudo científico que comprove isso. “Isso não se observa na prática, ainda mais se o diálogo é realizado de forma muito clara e com a ajuda de especialistas”, diz a psiquiatra. Ao falar sobre suicídio precisamos de informação, e não de sensacionalismo.

De acordo com a especialista, 98% das pessoas que cometem suicídio apresentam algum transtorno mental à época do ato, especialmente transtorno de humor – a depressão é a mais comum, seguida do transtorno bipolar.

Psiquiatra do Ambulatório Médico de Especialidades (AME) Psiquiatria Vila Maria, Ariella Hasegawa lembra que, no entanto, muitos nem chegam a ser diagnosticados. “Muitas pessoas com sofrimento mental, que cometem suicídio, infelizmente não tiveram acesso a um serviço de saúde com psiquiatra e outros médicos especializados. Por isso a campanha de prevenção é tão importante.”

O suicídio pode e deve ser prevenido

Pessoas que enxergam no suicídio uma saída passaram por um longo período de sofrimento, até um ponto que este sofrimento fica insuportável. Mas é possível sim identificar o problema e prevenir o suicídio e, para isso, precisamos quebrar a barreira do silêncio.

“Podemos prevenir o suicídio falando sobre ele, principalmente em espaços públicos, como escolas e unidades básicas de saúde. Quanto mais a gente conversar, mais conseguiremos prevenir. Quem consegue prevenir é a família, os amigos, as pessoas mais próximas que vão conseguir perceber uma mudança de comportamento e auxiliar na busca de ajuda. A prevenção vem com a informação”, destaca Ariella Hasegawa.

“As pessoas que concretizam esse ato estão passando, quase que invariavelmente, por uma doença mental que altera de forma radical a sua percepção da realidade. Quem toma esse tipo de atitude está sempre muito sofrido e acaba ficando cego por conta disso, não enxerga nenhuma solução possível no momento. É muito importante que a pessoa que está sofrendo seja ouvida e compreendida”, completa Maria Fernanda Cecílio.

Livre-se de julgamentos e seja empático!

A psiquiatra Ariella explica que existem mitos que rondam o suicídio, como dizer que a pessoa que fala que quer se matar, não se mata, ou o contrário, que quem quer tirar a própria vida, sempre vai verbalizar. Isso não é verdade.

“Indivíduos com pensamentos suicidas, em geral, emitem sinais de que estão precisando de ajuda, mas nem sempre é uma fala pedindo socorro. É preciso ficar atento e perceber os alertas, alguns são mudanças de comportamento, principalmente o isolamento social, e mudança brusca de situação financeira na família”, diz Hasegawa.

A coordenadora da Psiquiatria do Pirajussara explica que é preciso ficar atento a alguns sinais, como:

– Alarmes verbais: comentários como “quero morrer”, “a vida não tem sentido”, “se eu desaparecer ninguém vai notar” não devem ser banalizados. Se alguém emitir um comentário desse tipo, não encare como piada. Escute a pessoa, dê conselhos, pergunte se ela está falando sério, mostre que ela não está sozinha. Se a pessoa confessar o desejo e, de repente, pedir para manter segredo, não faça isso. Você pode estar colaborando para que ela ponha o plano em prática.

– Dificuldades que a pessoa está passando: ninguém chega ao pensamento suicida “do nada”, analise o contexto de vida da pessoa, através da empatia, para entender se esta passou por uma experiência traumática, abuso sexual, bullying, etc. É importante lembrar que cada pessoa tem uma forma de reagir frente ao sofrimento, e cada um o sente de uma determinada forma. Escute a pessoa com carinho, converse e deixe claro que ela pode desabafar com você.

– Comportamentos depressivos: um dos sintomas da depressão envolve o aumento da sensação de culpa e a alteração cognitiva dos pensamentos, que faz com que a pessoa hipervalorize o negativo e desvalorize aspectos positivos. Notamos a pessoa sem energia ou ânimo, com uma expressão pesada ou diferente do que costumava ser. Cuidado neste momento para não julgá-la, não basta querer mudar para conseguir, é necessário ajuda e tratamento. 90% dos casos poderiam ter sido evitados se a vítima tivesse recebido ajuda de qualquer pessoa.

Ter empatia é fundamental para ajudar quem quer que esteja passando por essa situação. É importante frisar que empatia é algo que pode ser aprendido, como explica a psiquiatra do AME Psiquiatria. “A empatia pode ser aprendida, mas precisamos querer. Nestes casos, empatia é tentar perceber o sofrimento através do olhar do outro, não através do meu olhar ou dos meus valores, Para isso, precisamos perceber que o outro precisa que estejamos na mesma perspectiva dele, assim poderemos ajudar”, explica Ariella Hasegawa.

Suicídio entre jovens

De acordo com a psiquiatra Maria Fernanda Cecílio, um dos estudos mais completos sobre o tema, feito por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisou dados do Sistema de Informações sobre a Mortalidade Brasileira (SIM), Datasus e IBGE entre os anos 2000 e 2012 no Brasil. Segundo os dados divulgados, as pessoas que mais se suicidaram foram as menos escolarizadas, indígenas (132% mais casos do que na população em geral) e homens maiores de 59 anos (29% a mais do que outras faixas etárias). As estatísticas apontam o maior número de suicídios entre os 65 e 70 anos, mas, enquanto o maior índice está entre os idosos, a faixa etária entre 15 e 19 anos registrou o maior aumento no número de mortes.

Dados do Mapa da Violência mostram que o suicídio aumentou 33% nos últimos 10 anos entre pessoas de 15 a 29 anos. Ainda não há dados concretos que mostrem os motivos para esse aumento, mas há a suspeita de que diversas mudanças de padrões comportamentais do adolescente podem estar associadas a esse aumento, conforme explica a psiquiatra Ariella Hasegawa.

“Houve uma mudança na relação interpessoal entre os jovens. Adolescentes de décadas passadas conviviam mais uns com os outros e tinham menos relações virtuais. Vivemos hoje relações interpessoais muito superficiais, não conseguimos partilhar o sofrimento”.

As duas psiquiatras citam ainda lares desfeitos, antigamente as famílias eram mais presentes, e a intolerância à frustração, algo próprio do adolescente em geral, como possíveis fatores para este aumento. Além disso, o aumento do abuso de drogas, do alcoolismo e o cyberbullying também podem influenciar muito o comportamento do adolescente.

Ao identificar uma pessoa com pensamento suicida, ajude-a e encaminhe para um serviço de saúde mental. Vale lembrar da existência do CVV (Centro de Valorização da Vida). Os telefones não identificam o número que está ligando e os atendentes (todos voluntários) nunca irão perguntar o nome da pessoa. O número é 141.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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