28 de março de 2024

Mães de dependentes químicos buscam apoio em programa da Prefeitura

25 de julho de 201713min2
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R7

Equipe multiprofissional ajuda a entender o problema e dá suporte para seguir em frente

Juca Guimarães, do R7

M. é uma das mães que procuraram apoio no programaJuca Guimarães/R7

A dependência química extrema causada pelo uso de entorpecentes, como crack e cocaína, é uma busca constante e sem limites pela próxima dose. São 24 horas por dia, sete dias por semana, sempre com o pensamento nas drogas. É uma doença que afeta, na mesma proporção, os parentes próximos do dependente químico. As mães, principalmente, vivem a rotina de 24×7 sofrendo e preocupadas com os filhos.

A solidão, a vergonha e a falta de conhecimento sobre as etapas da doença e sobre o tratamento possível, fazem com que as mães sofram ainda mais. Para minimizar a angústia dessas mães e familiares, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania tem o Projeto Mães da Luz.

“É uma iniciativa que faltava no âmbito das políticas públicas municipais para o enfrentamento da dependência química. Não existe um limite de vagas disponíveis, o programa acolhe, direciona e orienta de acordo com a demanda. Aqui recebemos as mães, ou os familiares, e encaminhamos para o que for necessário, pode ser para o atendimento em um CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas), para um atendimento médico que vai orientar uma eventual internação, pode ser um suporte para a mãe conseguir dar conta de suportar a dificuldade que é ter um filho dependente químico”, disse Eloisa Arruda, secretária municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

O programa Mães da Luz existe desde o final de junho e já auxiliou diversas mães que necessitavam de apoio. O R7 conversou com duas participantes do programa, que pediram para não serem identificada. Todas as iniciativas oferecidas pelo programa são gratuitas e mais informações podem ser obtidas pelo telefone 3113.9032 ou na própria secretaria que fica na rua Líbero Badaró, 119, no Centro, próximo à prefeitura.

A aposentada C. D. R., de 69 anos, nasceu numa cidadezinha pequena no interior de São Paulo e sempre trabalhou. Ela foi secretária e gerente de um posto de gasolina. Ela tem um filho que é usuário de crack. O rapaz, de 29 anos, é lembrado pela mãe como alguém estudioso, que gosta de esportes, bom amigo e que tinha uma promissora carreira na aeronáutica. Essas são as recordações antigas. As lembranças recentes do filho são doloridas para a aposentada. O Mães da Luz é um importante ponto de apoio para ela.

“Ele está na terceira internação. Era um bom rapaz, mas mudou muito com a dependência química. Eu também levei um tempo para entender que é uma doença. É muito sofrido. A gente tem a esperança que ele melhore, mas é uma luta. Em junho, eu voltou bem de um período de quatro meses de internação numa clínica em Minas Gerais, porém, teve uma recaída e ficou sumido por 11 dias, na rua usando drogas”, disse.

São nesses períodos que o filho estava sumido que a mãe mais sofreu e se abateu. “Perdi mais de seis quilos. Não dormia. Fui em várias lugares onde os viciados ficam para tentar achar o meu filho. Um dia me disseram que ele estava dormindo num albergue e usando crack o dia todo. Fui até lá para resgatá-lo. Cheguei e vi aquela fila enorme de moradores de rua. De repente bateram no vidro do carro. Era ele… estava magro, sujo e maltrapilho. Abri a porta e ele entrou sem falar nada”, disse C.

A aposentada não sabe ao certo como ou quando o filho começou a usar drogas. “Ele, quando está bom, diz que foi por curiosidade, mas não dá detalhes”, conta.

Para C., a vida antes da dependência química do filho era marcada por momentos felizes em família. “Ele era o meu companheiro, o meu amigo. A gente ia visitar os parentes do interior, íamos ao cinema e restaurantes. Para mim, tudo isso acabou. Não sinto vontade de fazer nada e quando faço não tenho prazer nenhum, me falta algo”, contou.

Para compensar o vazio e encontrar o melhor maneira de ajudar o filho, a aposentada encontrou no projeto Mães da Luz o apoio que garantiu uma nova internação para o filho e a ajuda psicológica para seguir em frente. “Recebi alguns encaminhamentos e agora frequento um grupo de apoio que está sendo muito bom pra mim. Ainda não tenho forças para ir lá na frente e contar a minha histórias, mas aprendo muito com as histórias das outras mães. Um dia sei que também vou poder ajudar outras mulheres que estão tão preocupadas com os filhos como eu”, disse.

A auxiliar de limpeza, de 47 anos, M.F., nasceu numa família de seis filhos, ela também teve seis crianças, a segunda mais velha, que hoje tem 28 anos, é dependente química de cocaína. A filha está internada, graças a ajuda do Mães da Luz, e está no quinto mês de gravidez. M.F. sabe que quando o neto nascer terá que assumir a guarda do bebê, pois a filha vai seguir internada.

“As pessoas julgam muito e falam coisas que não sabem. Isso magoa bastante a gente. Eu não falava com ninguém sobre o problema que tinha com a minha filha que usa drogas, mas eu percebia que tinha pessoas no bairro que me olhavam diferente”, disse.

A aposentada C. quer ver o filho livre das drogas
A aposentada C. quer ver o filho livre das drogasLeonardo Hirai/SMDHeC

Muito trabalhadora e obstinada, M.F. nunca mediu esforços para dar o melhor para os filhos. “Fiz de tudo por eles. A minha filha caiu nessa, mas não deixa de ser a minha filha. Faço tudo por ela. O problema é que não dá para saber o que é certo fazer. Fiquei perdida e sem chão por causa dela. O meu marido [padrasto da filha], por exemplo, não entende que é uma doença, ele acha que é minha culpa. Nós até brigamos, quase nos separamos, porque entre ele e ela, eu escolho ela. É a minha filha e eu não posso abandonar, disse.

A filha tem duas crianças, mas quem cuida é uma das irmãs e a avó. “A gente tenta aproximar ela das crianças, mas não adianta porque tem essa coisa das drogas. Uma vez ela foi com as crianças na praça perto de casa. Passado um tempo, a gente foi lá e as crianças estavam sozinhas, ela sumiu e passou nove dias fora, só com a roupa do corpo”, disse M.F.

A busca pela filha dependente química foi uma provação para M.F. “Eu me desesperei. Ia nas cracolândias todas atrás dela. São lugares horríveis de se ver. Uma sujeira, um monte de barraquinhas  e amontoados de gente. Eu perguntava se alguém tinha visto uma moça grávida, mostrava a foto. Às vezes, alguém colocava a cabeça para fora de uma barraca e eu achava que era ela”, disse M.F.

O reencontro com a filha aconteceu numa dessas buscas sem rumo e logo depois M.F. descobriu o Mães da Luz. No programa, ela conseguiu uma internação para a filha e passou a frequentar grupos de autoajuda. Agora ela já planeja um futuro para quando a filha voltar definitivamente para casa. “Eu já fui visitá-la na internação e achei que ela está melhor. Vou alugar uma casinha para ela e torcer para tudo melhorar”, disse.

O coordenador de políticas sobre drogas da secretaria de Direitos Humanos, Miguel Tortorelli, explica a dinâmica do Mães da Luz. “A família precisa estar fortalecida para conseguir ajudar no tratamento do ente querido que está enfrentando o problema. Por conta da doença, o usuário se torna um manipulador e um núcleo familiar fraco acaba sucumbindo. O Mães da Luz faz esse fortalecimento”, disse.

Para Tortorelli é fundamental que as famílias tenham o máximo de conhecimento sobre a dependência para que o tratamento funcione. “É uma doença incurável, infelizmente, a dependência fica adormecida com o tratamento, mas pode voltar. Por isso, a família é muito importante. O dependente químico deve ter consciência que precisa evitar para sempre pessoas, locais e hábitos relacionados ao uso de drogas para não correr o risco de uma recaída”, disse.

O programa também tem uma vertente que ajuda na localização de familiares desaparecidos, por conta do abuso de álcool e outras drogas, utilizando fotos e informações pessoais.

 


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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