Em entrevista, especialista comenta impactos da legalização da maconha nos EUA
Ministério Público do Estado de São Paulo
Jeffrey Zinsmeister falou em evento com membro do MPSP
Na última sexta-feira (31/3), o Ministério Público de São Paulo participou de uma reunião sobre legalização da maconha, realizada na sede da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina. O procurador de Justiça Mário Sérgio Sobrinho, membro do Ministério Público Democrático (MPD) e do recém-criado Grupo de Drogas e Álcool, atualmente em formação no Ministério Público de São Paulo, foi um dos presentes. Outro participante foi o advogado e especialista em políticas públicas sobre drogas Jeffrey Zinsmeister. Membro do Instituto de Políticas sobre Drogas da Universidade da Flórida e com experiência no Departamento de Estado dos Estados Unidos Zinsmeister foi responsável pelos programas bilaterais antidrogas e contra a corrupção da Embaixada dos Estados Unidos no México. Durante a reunião, o especialista respondeu a perguntas de um grupo de pessoas interessadas em políticas públicas e drogas, como representantes do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras drogas; Assembleia Legislativa, órgãos de imprensa e diversas instituições
Na ocasião, Zinsmeister falou sobre os reflexos que a legalização da maconha produziu em vários Estados americanos na saúde e na segurança pública. Para o especialista, os resultados até agora mostram que o propósito inicial que era o de acabar com o mercado ilegal não se confirmou, assim como os crimes também não diminuíram. Por outro lado o consumo aumentou, sobretudo entre adolescentes pobres e moradores das periferias. E há, ainda, mais crianças intoxicadas pelo consumo de produtos alimentícios fabricados com a substância psicoativa tetrahidrocanabinol (THC) mais potentes do que o fumo da Cannabis.
Em entrevista, o especialista deu detalhes sobre os impactos que a legalização da maconha causou em determinados locais. Leia:
Vários Estados americanos já legalizaram o uso da maconha. Quais foram os impactos dessa legalização?
Vou primeiro ao cerne do argumento em prol da legalização aqui no Brasil, pelo menos segundo o ministro Luís Fernando Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que é acabar com o mercado ilegal e o narcotráfico. Esse é o propósito. Também nos Estados Unidos a dinâmica é um pouco diferente, mas com esse mesmo enfoque. Nessa vertente se pode dizer já que não foi exitoso. Saiu faz muito pouco tempo um informe da Polícia Estadual do Oregon, que legalizou a maconha em 2014. Esse informe diz que 70% do mercado da maconha três anos após a legalização é ilegal. Só 30% desse mercado é legal. Isso fala muito. Ou seja, só não vê quem não quer. O impacto da legalização no mercado ilegal tem sido o contrário do que se esperava. Também falou isso a Procuradora-Geral do Estado do Colorado, que o mercado ilegal para a maconha não diminuiu com a legalização. Vemos duas tendências: primeiro tem uma demanda para a maconha ilegal que permanece porque, para pagar toda a burocracia que implica a legalização e comercialização, tem que cobrar impostos, o que incrementa o preço do produto. E tem muita gente que não pode ou não quer porque são menores de idade. E toda essa gente recorre ao mercado ilegal para comprar a maconha. A segunda dinâmica é que, para o traficante quando a maconha é legal e o cultivo pessoal é permitido, esconder um cultivo comercial é facilitado. Antes era algo que chamaria a atenção da polícia e dos vizinhos. Agora não chama a atenção ver uma planta de maconha na janela de uma casa. Isso faz com que o traficante, com ajuda de laranjas, compre e alugue casas e instale cultivos grandes. E diferente do álcool ilegal, caso em que para ganhar muito é preciso uma quantidade enorme de matéria-prima e de produto. A maconha tem um valor por peso 10 a 15 vezes maior do que a prata. Como o cultivo é bastante pequeno, o traficante consegue ganhar bastante dinheiro. O que eles fazem com essas casas alugadas ou compradas para cultivo? Eles vendem ou exportam o produto até para outros países. Então a dinâmica não é o que se esperava, que foi colocar o legal no lugar do ilegal. O que está acontecendo: são dois mercados paralelos. O legal, o novo, ao lado do existente, o ilegal. Para ter uma prova real disso é só a pessoa pesquisar na internet, nas sessões de classificados, e colocar na barra de pesquisa o nome cannabis. Centenas de resultados vão aparecer. Se o propósito foi acabar com o ilegal, não funcionou.
Um dos argumentos pela legalização é que o crime iria diminuir. Pelo que o senhor acabou de dizer o tráfico continua aumentando. E os crimes de maneira geral?
Na capital do Colorado, os crimes nos últimos dois anos relacionados com a droga têm sofrido um incremento 9% ao ano desde 2014 até o final de 2016. Se prestar atenção no que está acontecendo em Denver, a maior cidade do Colorado, não é um panorama tão agradável. Houve aumento de homicídios, prostituição, tráfico de pessoas vinculado ao narcotráfico.
O consumo da maconha se espalhou para todas as classes sociais? O senhor já falou que o número de pessoas usando maconha em Denver é o dobro da média das capitais dos Estados Unidos. Esse aumento atinge a todos?
Em termos de impacto são as classes mais baixas e as comunidades de cor que sentem um impacto . Os negócios da maconha se concentram nos bairros mais pobres da capital do Colorado. A maioria do consumo é de pessoas brancas, mas eles não querem que os negócios estejam aonde eles moram. Esses negócios se concentram nas regiões onde o governo municipal é mais fraco, principalmente nas comunidades latinas, em Denver.
E em termos de saúde pública, o que aconteceu?
Houve o incremento do uso em quase todas as faixas etárias. O aumento do uso frequente dos que consomem mais de 20 dias por mês, que é o mais problemático do ponto de vista da saúde pública. Não é coincidência que é o mais lucrativo, porque 80% dos lucros vêm dessa faixa de consumidores que consomem frequentemente. Teve um aumento incrível de chamados aos prontos-socorros por causa do consumo exagerado da maconha. Houve uma subida impressionante de acidentes de trânsito relacionados com o consumo da maconha. O senso comum à época já dizia que isso iria acontecer, e aconteceu.
Em relativamente pouco tempo de legalização, os dados do ponto de vista da criminalidade e de consumo de maconha nesses Estados estão ficando muito veemente do ponto de vista de saúde pública. Isso vai servir para que outros Estados deixem de seguir nessa mesma linha? Por outro lado, se vê que o Canadá no ano que vem também pretende legalizar…
Já existe uma resistência em nível local. No Colorado só 25% dos municípios permitem a venda da maconha. No Canadá os debates seguem forte porque foi uma promessa do primeiro-ministro atual, mas já há resistência por parte de certas províncias. Também no Uruguai, onde se prometeu implementar a legalização em pouco tempo, mas seguimos sem um programa de varejo nas farmácias naquele país. Eu acho que as pessoas estão começando a ver isso de outra maneira, embasada nas experiências americanas.
Quais países o senhor tomaria como referência na política em relação à maconha e às drogas?
O Uruguai é um caso interessante. Primeiro por causa do impacto no mercado ilegal. As importações da maconha triplicaram nos últimos três anos. Ou seja, tem muito mais maconha no sistema ilegal agora do que na primeira fase quando da primeira fase da legalização quando se implementou os cultivos nos clubes sociais. Também é interessante a reação das empresas envolvidas no cultivo e venda da maconha porque ia ser um programa mais dominado pelo setor público do que nos Estados Unidos onde reina o comercialismo. Eles evitaram empresas desde o início por meio de licitações públicas, o Estado deu terras para o cultivo e segurança grátis e agora estão reclamando pela demora na implementação da venda. É bom a gente perguntar: é bom que o lucro seja a força dominante nessa conversa? Que é o lucro que está levando a cabo essa discussão política e não a saúde e a segurança pública? Quando o Ministro Barroso fala que quer conter os narcotraficantes, bom, todo o mundo vai estar de acordo, mas entregar o comércio da maconha para empresas internacionais, eu acho isso muito perigoso principalmente com todo o escândalo que o Brasil está vivendo de corrupção entre o setor político com grandes empresas, eu acho isso muito perigoso.
No Colorado mais da metade do consumo da maconha é de produtos comestíveis. Qual o impacto dessa diversificação do uso da maconha e como isso está influenciando o consumo, sobretudo dos mais jovens?
O comestível tem uma potência maior do que a planta, que hoje em dia pode chegar a até 30% de THC. Já no comestível pode chegar a até 60% de potência. E em uma quantidade bem pequena de comida. Uma barra de chocolate pode conter 10 a 20 doses do produto. Do ponto de vista da saúde pública é bem mais fácil se intoxicar ao ponto de ser levado ao hospital com o uso do comestível. Porque é muito potente e demora mais do que fumar para que o THC chegue até o cérebro para ter o seu efeito. Ele não sente o efeito de imediato, então come mais. Segunda coisa é mais fácil esconder o comestível. Fumar tem um cheiro forte e não dá para fazer isso no trabalho. Já no caso do comestível é fácil. Parece com qualquer outro chocolate. Ninguém vai ficar ciente disso até ter um acidente. As intoxicações com crianças sempre são com os comestíveis.
E qual tem sido o impacto do consumo da maconha entre os adolescentes americanos?
Sabemos que é uma substância viciante. O índice de abuso está entre os níveis do álcool. Pode ser até maior, com os produtos de alta potência de hoje. Porque os estudos são de 20 anos atrás, quando a maconha tinha uma potência muito menor. Tem impacto forte no crescimento do cérebro do adolescente. Tem impacto na escolaridade e os problemas respiratórios parecem ser iguais ou mais impactantes do que o consumo do cigarro, assim como respirar e inalar a fumaça da maconha fumada por terceiros.
No Brasil, o crime organizado tomou conta do comércio das drogas e assumiu influência política, como no México e na Colômbia. Qual é a opinião do senhor sobre essa questão?
Vemos o crime organizado dominando os mercados ilegais das drogas na Colômbia e no México. O problema parece estar na capacidade do Estado de controlar o crime organizado, como aqui no Brasil também, de certa forma, onde há zonas em que o Estado quase não tem poder. Aqui é mais nas zonas urbanas. No México e na Colômbia, em zonas rurais. E quando existem essas lacunas, o crime organizado cresce. A ideia de controlar o narcotráfico pela legalização da maconha não é bem prometedor quando o estado não consegue controlar o crime nos mercados legais.
Núcleo de Comunicação Social