NOTA DE REPÚDIO: I Seminário Internacional sobre Drogas repudia o Conselho Federal de Psicologia devido a posicionamento contra Comunidades Terapêuticas

23 de julho de 201717min6
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Opinião Crítica

Em um momento histórico no cenário da prevenção, combate e tratamento do abuso de drogas no Brasil, autoridades presentes no I Seminário Internacional sobre Drogas leram uma NOTA DE REPÚDIO ao Conselho Federal de Psicologia, devido sua militância contrária às Comunidades Terapêuticas.

Realizado durante os dias 20 e 21 de de julho (2017) no Estado do Piauí, o I Seminário Internacional sobre Drogas tratou do tema: “Recuperação, Descriminalização, Educação, Direitos Humanos e Políticas Públicas”, contando com a participação de autoridades políticas, jurídicas e acadêmicas do Brasil e Estados Unidos.

Entre eles estavam presentes Marisa Lobo, psicóloga clínica, especialista em Direitos Humanos e Saúde Mental, o Procurador de Justiça Sérgio Harfouche, Presidente do colegiado de presidentes de conselhos estaduais de políticas sobre drogas, Roger Howard Morrell, Diretor da CFM (TN-USA), Cesar Augusto Bancer Arbanil (UPRG – Peru) e outros.

Além das personalidades, o Seminário contou com o apoio de vários órgãos oficiais e não governamentais, colocando o evento no cenário das maiores iniciativas nacionais de combate ao abuso de drogas no país. 

Repúdio ao Conselho Federal de Psicologia

Um dos momentos mais importantes do Seminário foi a leitura pública de uma NOTA DE REPÚDIO ao Conselho Federal de Psicologia (CFP), devido seu posicionamento contrário as chamadas “Comunidades Terapêuticas” (CTs).

“A comunidade terapêutica no trabalho de recuperação acredita que é preciso uma transformação da mente. Se você acredita que é um dependente, vai agir como um dependente. Só nos libertamos com os vínculos saudáveis que nos leva à mudança de pensamento e nos faz parar com o desejo de usar drogas”, disse Roger Howard Morrell (USA) em uma matéria publicada no site do Governo do Piauí, defendendo a importância das CTs.

Em certo momento do Seminário, os participantes sugeriram a criação de um documento que refletisse a posição das entidades sobre o que chamaram de “militância” do CFP contra essas comunidades, alegando também que o Conselho extrapola sua competência  legal:

“Entendemos que além de não representar o entendimento acadêmico e interesses de toda categoria profissional de psicólogos no Brasil, ao se manifestar em nota sobre assuntos que são, também, de natureza política, o CFP viola sua competência legal autárquica de Conselho Profissional no que tange à regulamentação e fiscalização do exercício legal da profissão de psicólogo(a), assumindo o papel de órgão militante típico de classes profissionais, sindicatos e organizações não governamentais (ONGs), o que não é da sua seara”, diz um trecho da nota.

Após a solicitação, apoiada pelos participantes, a Nota de Repúdio foi redigida e assinada, como segue na íntegra abaixo, com exclusividade:

 

NOTA DE REPÚDIO AO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA SOBRE SUA POSIÇÃO CONTRÁRIA AS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS

 
Na ocasião do I Seminário Internacional sobre Drogas (SISDPI), realizado no Piauí nos dias 20 e 21 de julho, no auditório do Centro de Formação dos profissionais da Educação Antonino Freire, e realizado pela Casa do Oleiro e Celebrating Freedom (centros de recuperação), com o apoio do Governo do Piauí, através da Secretaria de Justiça, Coordenadoria de Enfrentamento às Drogas, Universidade Aberta do Piauí, Centro de Formação dos Profissionais da Educação Antonino Freire, Ordem dos Advogados do Piauí (OAB-PI), Conselho Estadual de Políticas sobre drogas, Associação dos Servidores da Educação Básica do Estado do Piauí, Associação de Conselheiros e ex-conselheiros tutelares do Estado do Piauí, Instituto Superior de Educação Programus e a Fundation for a Drug Free Word, as entidades representativas e profissionais abaixo relacionados vêm a público manifestar seu REPÚDIO ao CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP) devido sua militância contrária as práticas das chamadas Comunidades Terapêuticas (CTs).
 
Entendemos que além de não representar o entendimento acadêmico e interesses de toda categoria profissional de psicólogos no Brasil, ao se manifestar em nota sobre assuntos que são, também, de natureza política, o CFP viola sua competência legal autárquica de Conselho Profissional no que tange à regulamentação e fiscalização do exercício legal da profissão de psicólogo(a), assumindo o papel de órgão militante típico de classes profissionais, sindicatos e organizações não governamentais (ONGs), o que não é da sua seara. Isso por si só é um ponto crucial que, infelizmente, devido aos anos de entrelaçamento com ações semelhantes, passa despercebido aos olhos de muitos.
 
“Os conselhos  profissionais não são entidades sindicais ou associativas que  representam perante a sociedade os interesses de seus filiados ou associados. O dever legal dos conselhos profissionais é o de zelar pelo interesse público,  efetuando,  para  tanto,  nos  respectivos  campos  profissionais,  a  supervisão  qualitativa, técnica e ética do exercício das profissões liberais, na conformidade da lei. (COSTA; VALENTE, 2008, p. 8). …Conselhos exercem nos respectivos campos de atuação o poder de polícia das profissões, zelando pela integridade e disciplina profissional em favor do interesse geral da sociedade”(1).
 
No entanto, embora exista na sociedade uma demanda urgente pelo enfrentamento da dependência química, tendo como referência o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos(5) publicado em 28 de novembro de 2011, o CFP resolveu ingressar na militância contrário aos interesses da sociedade, que é de enfrentar e vencer o impacto social causado pelo uso abusivo de drogas no Brasil. Para tanto, a sociedade não apenas tem apoiado como financiado modelos de intervenção das Comunidades Terapêuticas, motivo pelo qual o número delas tem crescido face aos relatos de maior sucesso no tratamento das “dependências”.
 
Alegando, entretanto, a defesa dos “direitos humanos” e violação dos princípios da “Reforma Psiquiátrica” com base num relatório que investigou apenas 68 instituições das 1.963 existentes no país (IPEA)(2), o CFP publicou em 18/03/2015 uma matéria(3) posicionando-se contrário à  proposta de regulamentação das Comunidades Terapêuticas, em reunião do Conselho Nacional de Saúde (CNS) realizada nos dias 12 e 13 de março daquele ano.  Posteriormente, em 03/06/2015, o CFP publicou outra matéria(4) informando a elaboração e entrega de um documento expressando mais uma vez seu posicionamento contrário as CTs.
 
Ora, é preciso deixar claro que nos posicionamos em favor da absoluta maioria das Comunidades Terapêuticas, que diferentemente do que alega o CFP de forma generalizada e por vezes preconceituosa, não violam direitos humanos e não contrariam os princípios da Reforma Psiquiátrica. Não compactuamos com quaisquer violações de direitos, todavia, entendemos que “direitos humanos” pode ser, também, um conceito interpretado de forma equivocada ou, no mínimo, tendenciosa, querendo fazer prevalecer determinadas ideologias que desprezam o real sofrimento humano.
 
Entendemos que os métodos de tratamento utilizados na maioria das Comunidades Terapêuticas, especialmente no que diz respeito ao uso de elementos religiosos e a laborterapia, bem como na transmissão de conhecimentos de ex-acolhidos e disposição hierárquica dos mesmos, consoante ao avanço no tratamento, são todos de caráter voluntário e dispositivos válidos de grande importância, pois fazem parte da constituição de sentido de todo sujeito que vive numa comunidade.
 
Entendemos que direitos humanos foram criados para dar aos humanos o direito, por exemplo, da liberdade, sendo como eles próprios entendem, humanos de direitos, e não pessoas enquadradas num corpo teórico de leis artificiais que não traduzem no seu modo de vida prático suas grandes necessidades.  O que observamos, todavia, é que o discurso sobre “direitos humanos” tem sido utilizado por alguns como dispositivo ideológico para determinar, para o outro, o que seriam essas necessidades, ao invés de lhe oferecer meios para que por si mesmo possa encontrá-las e compreendê-las.
 
Ao dar a oportunidade para que o sujeito aceite e se submeta ao “tratamento” em uma Comunidade Terapêutica, compreende-se que este é livre para tomar essa decisão, motivo pelo qual entendemos não haver violação de direitos ao serem aplicadas regras que visam o funcionamento da casa e sucesso em sua metodologia, desde que se mantenha respeitado, também, o direito do “usuário” de abandonar o tratamento caso ache necessário.
 
Dessa forma, pensamos também com respaldo de vasta fundamentação acadêmica, que o incentivo da fé, por exemplo, não implica substituir uma dependência por outra. Tal afirmação é risória e destituída de profundo conhecimento quanto à natureza do sentimento religioso que acompanha, não por acaso, a humanidade desde os primórdios, constituindo grande parte do universo de significado humano, o que alguns chamam simplesmente de Ética. Tal concepção reducionista é artificial e desconectada da realidade, visto que desconsidera o testemunho dos ex-dependentes alegando, isto sim, liberdade, perspectiva de vida, esperança e felicidade, ao invés não prisão. 
 
Quanto à divergência e pluralidade dos métodos, entendemos que apesar de haver a necessidade de regulamentação e fiscalização de questões básicas, as Comunidades Terapêuticas possuem uma metodologia que se caracterizam como “alternativas” e, portanto, não devem ser tratadas como instituições pautadas pelos métodos comuns de intervenção, visto que é justamente pelo desenvolvimento da própria metodologia que as CTs se diferenciam das unidades convencionais de saúde.
 
Dessa forma, compreendemos também que os princípios da Reforma Psiquiátrica não devem ser tratados como dogmas, criando uma espécie de legalismo institucional que visa enquadrar todos os métodos a um modelo “X” de saúde. Se isso não for observado, corremos o risco de enrijecer o conhecimento, inibindo também o que se mostra eficaz ao invés apenas dos equívocos e reais violações, fazendo surgir um novo modelo manicomial, com nova roupagem, de muros invisíveis e regido pela burocracia.
 
Isto posto, repudiamos o posicionamento do Conselho Federal de Psicologia contrário às Comunidades Terapêuticas de forma indiscriminada, por entender que despreza a legitimação das boas instituições, competentes e comprovadamente apoiadas pela própria sociedade e experiências positivas das pessoas que fazem uso desse modelo, o que significa o abandono da sua função enquanto órgão voltado para o interesse popular.
 
Assim, assinamos:

Feteb
Fecontepi –
Casa do oleiro
Celebrating Freedom
Foundation For a Drug Free World
Branch Hause
Cendrogas
CEPD PI
Assebepi
Youth for Human Rights International
Sérgio Harfouche
Marisa Lobo Franco Ferreira Alves
Sâmio Falcão Mendes
Carlos Augusto
Roger Howard Morrell
Rita Lemos R. Leite
Andréia Valéria da R. Cavalcanti
Lance Godsey
Witson Marcelo R. da Silva
Cesar Augusto Bances Arbanil
José de Ribamar Dias Carneiro
Genival Silva Ibiapina
Silvânia Leal
Isaque Folha
Maria José Sales
José Gouveia de Oliveira
Maria Lila Castro de Carvalho
Lisiane Santos da Mota
Debora Oliveira
Elilian Basílio e Silva

 
REFERÊNCIAS: 
 


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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